sábado, 24 de dezembro de 2011

beltrão tem mais livrarias que pato branco!

Por Vinicius Libardoni

Existem acontecimentos estranhos.  Porém, estes sucedem somente com pessoas neuróticas. Completamente neuróticas. Não que me considere assim, uma pessoa perturbada, pelo menos, não muito. De fato, estes indivíduos, atingem tal grau de controle sobre as coisas que, acabam se descontrolando redondamente.

Chegar à rodoviária, na véspera de uma viagem, sem ter um documento em mãos não me surpreende. O mais interessante é que havia tempo suficiente para tomar três ônibus que me levavam até em casa, pegar meus documentos, e voltar para meu destino a tempo. Bem, com uma pequena folga que ainda me permitiu comprar um delicioso pão de queijo antes do embarque. É isso que eu chamo de “neurose crónica do tempo”.

Falando em tempo, passei horas sentado desconfortavelmente naquela poltrona. Não fosse o bastante, o maldito ônibus tinha que quebrar. Isso porque eu podia escolher outro horário, eram dez ônibus para o mesmo destino. E o destino do ônibus que levava o neurótico era quebrar no meio da estrada. Paciência. Não havia sido nem a primeira e, com toda certeza, não será a ultima vez que o destino, ou melhor, o ônibus apronta uma destas comigo.

Apesar da aparente tranquilidade, a turbulência da viagem se encarregou de potencializar as sensações desagradáveis que me acompanhavam ao longo do caminho. Assim, cheguei ao meu destino depois de dezesseis horas de aventuras. Isso porque foram apenas setecentos quilômetros, o que me pareceria uma média de muitos poucos quilômetros por cada hora.

Mais todo esse blá-blá-blá não é o que interessa. Na verdade isso ai não tem interesse algum.

Esta proeza toda foi, simplesmente, para visitar minha família em uma pequena cidade do interior. É ai que eu me refiro. A esta cidade interiorana que me fez refletir sobre algo interessante, sobre como o ambiente pode moldar, em parte ou completamente, os seres humanos que nele habitam.

Caminhar por estas ruas é deparar-se com uma quantidade enorme de algumas atividades, enquanto outras parecem não existir. Poderia aqui ficar numerando uma quantidade inacreditável de farmácias, lojas de roupa, açougues, garagens, enfim, que refletem diretamente na cultura dessa gente. Porém, o mais intrigante é que não existe uma livraria. Pode-se dizer, há um lugar que vende uma meia dúzia de best-sellers, mais nada que se pareça com uma livraria.

Alguém poderia dizer que hoje em dia não se compram mais livros nestes locais, que a internet pode fornecer todo o tipo de informação e que a criação do e-book vai acabar com esta cultura ultrapassada de comprar livros e de acumular um monte de papéis. Mentira. Calúnia.

A internet tem se mostrado um grande aliado à superficialidade do ser humano. Embora exista uma disponibilidade enorme de informação ao alcance de todos, há uma incrível preferência por futilidade em relação à utilidade.

Se no passado existiam cinemas e livrarias nesta cidade, porque estas atividades caíram em desuso? Será a internet e o excesso de informação a causa desta morte prematura das atividades de formação cultural nas pequenas cidades? O que poderíamos fazer para reverter esta situação?

Como dizem por ai, “sempre teremos mais perguntas que respostas”, e são as perguntas que nos levam adiante, são as indagações que nos induzem a evoluir psicologicamente.

Será que este ambiente empobrecido está moldando os indivíduos que nele habitam, ou será que a superficialidade dos indivíduos é que está produzindo um ambiente tão pobre? Um alienado poderia facilmente confundir as situações, porém, foram os indivíduos que criaram esta realidade, que moldaram o espaço, que criaram e se utilizaram de suas atividades. Entretanto, também foi os indivíduos, não individualmente e sim como coletividade que, desenvolveram esta cultura da superficialidade, banalidade e futilidade. Estas características, intrínsecas a nossa sociedade hoje, se apropriaram do ambiente e são fruto direto das atividades, individuais e coletivas, que foram moldando as relações sociais e, indiretamente, os usos e as atividades que compõe o espaço da cidade.

Parabéns a todos nós (eu também me incluo neste seleto grupo), estamos conseguindo desenvolver um ambiente inóspito, frequentamos sempre os mesmos lugares, encontramos sempre as mesmas pessoas (isto não seria um problema se elas não tivessem sempre as mesmas ideias baratas construídas no último capítulo da novela das nove) e moldando um espaço tão pouco convincente quanto as nossas próprias convicções.

Já não dá pra acreditar em um futuro, se é que ele possa ainda existir. Mais no fim, o mundo acaba ano que vem mesmo. Deixemos de tanto papo furado e vamos ao que interessa. Ao contrário destas tantas tonterías, se Beltrão tem mais livrarias que Pato Branco, isso pode ser um motivo pra tentar reverter a situação. Talvez assim, com essa ideia de competitividade sempre presente na sociedade hoje, alguém pense em alguma coisa, se é que podemos ainda pensar.


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Scarface

Por Vinicius Libardoni

Era outono do ano de 1930. Figuras ilustres se amontoavam as portas do Teatro Paramount. O frio estava presente na elegância de cada indivíduo.  La dentro, o clima ameno e a tranquilidade das vozes permeavam os murmúrios que preenchiam aquele foyer. Nada, naquele instante, poderia anunciar a cena que em breve sucederia, marcando o início deste relato.

O jovem escritor Armitage Trail, sentado comodamente em uma poltrona azul aveludada, falecia repentinamente de um ataque cardíaco. Tinha apenas vinte e oito outonos presenciados, dos quais, a maioria passou despercebida. As folhas amarelas, que do lado de fora na 43th Street caiam, pareciam acompanhar o carro fúnebre negro que, horas depois, passava pela Times Square.

Antes deste terrível acidente, se assim podemos chama-lo, uma novela intitulada Scarface havia sido composta pela mente aguçada daquele defunto do Teatro Paramount.

Neste momento mudamos radicalmente o nosso foco do carro fúnebre que atravessava New York no outono de 1930 para outro indivíduo, que a esta altura, estava tão vivo quanto eu e você.

Ben Hecht tinha então 38 anos. Além de novelista, como nosso falecido amigo, foi roteirista, diretor, produtor e foi até chamado de “Shakespeare de Hollywood”. Entretanto, nosso interesse não está nos méritos de Hecht, e sim em sua criatividade.

Ben adaptou a novela de Armitage Trail para ao roteiro do que viria a ser um dos melhores filmes gângsteres de todos os tempos. Scarface foi o primeiro grande filme dirigido por Howard Hawks, em 1932. Um clássico.
Scarface deveria ser o próximo filme para aqueles que tanto admiram este gênero. Francis Ford Copolla, Sergio Leone, Martin Scorsese ou até Brian De Palma não são os únicos que fizeram bons filmes. Não pensem que prefiro um ao outro. Não é questão de preferência e sim de referência.

Tenho certeza que Hawks foi, e ainda é uma grande referência para todo bom diretor. Scarface é um filme. Um filme dirigido com maestria, um filme que contém todas as características de um bom filme do gênero. Um filme de 1932 que deveria ser visto antes que o próximo nomeado a Cannes. Aliás, é isso que mais me enche a paciência, esse desejo incessante por novidade, sendo que tal novidade não contém nada de novo.

Esse é um dos grandes problemas que enfrentamos hoje, uma mania absurda por novidade quando o que mais importa são as referências, e como elas são interpretadas. Qual o prazer maior que ver um bom novo filme e compreender pessoalmente quais são as referências implícitas em cada plano sequencia?

Não pretendo aqui ficar me alterando quando o foco é apenas dar uma sugestão a quem procura. O filme de Howard Hawks fala por si só, não cabem aqui explicações, pois as mesmas são desnecessárias.

Falando em referências, modismos e bons filmes, volto a um diretor anteriormente citado. Brian De Palma, nascido em 1940, tinha apenas oito anos quando Scarface foi a atração principal nas salas de cinema americano. O motivo que o levou a reinterpretar a Obra de Hawks eu não sei. Somente me comove, com alegria, a referência ao maestro e a Ben Hecht que está estampada explicitamente no final das quase três horas do filme Scarface de 1983.

Reinterpretar uma obra deste calibre é, de fato, uma tarefa muito delicada. Porém, me dedico a escrever bons comentários e deixo as críticas para quem realmente entende do assunto. Embora a trama seja distinta, existe uma sutileza de detalhes que enriquecem a obra anterior. Acredito que é neste ponto que reside a verdadeira contribuição, pois o retrato colabora com a compreensão do retratado.

Os personagens constroem outras personalidades, pois, os tempos são outros, as cobiças são diversas o contexto é divergente do anterior. Qualquer tentativa de recriar um personagem seria uma caricatura superficial, porém, Brian é inteligente, ele recria a essência do roteiro por caminhos bastante diversos. Até chegamos a acreditar que o futuro de alguns será diferente porque a própria expectativa do expectador é diferente. Mais a referência estava completa, não existe a necessidade de se alterar a finalidade, somente o caminho.

O cinema de Hawks é puro. Nem tudo é dito ou explicitado. A essência de seu cinema permite a cada individuo sentir-se parte da trama, em desejar alterar a ordem das coisas. Brian De Palma altera a ordem dos fatos, joga com os acontecimentos e consequentemente com as expectativas e esperanças de quem assiste ao filme.

Brian é mais evidente, ele deveria ser. De nada adianta utilizar-se da mesma linha de tempo, isso tornaria o filme um tédio. Ele dá espaço a novas formulações enquanto entrega rapidamente aquilo que foi dado lentamente no Scarface anterior. Todos os fatos tem uma intensidade muito maior no filme de 1983, às vezes até um quanto exagerada. É típico de o cinema novo cometer exageros, porém, nada que estrague todo o brilho da história.

A evidencia dos fatos no cinema de Brian De Palma se contrapõe a sutileza dos acontecimentos no cinema de Howard Hawks. Antigamente as pessoas iam várias vezes ao cinema assistir ao mesmo filme, e ele continuava apresentando novos detalhes, novas mensagens, causando surpresa. A pesar de tudo, só me resta aplaudir as boas releituras de filmes clássicos como este, e aguardar ansiosamente por um título que possa se repetir na minha lista de filmes preferidos. “Porque eu sempre digo a verdade, até mesmo quando minto”.




Scarface. Direção: Howard Hawks. Produção: Howard Hughes. Roteiro: Ben Hecht. Baseado na Novela Scarface de Armitage Trail. Estúdio: The Caddo Company. Distribuição: United Artists. Estados Unidos 09 de Abril de 1932. 93 min.
Scarface. Direção: Brian De Palma. Produção: Martin Bregman. Escritor: Oliver Stone. Distribuição: Universal Pictures. Estados Unidos 09 de Dezembro de 1983. 170 min.