Der Himmel über Berlin (Wings of Desire), ou “Asas do Desejo”
é nome de um filme dirigido por Wim Wenders a partir de um roteiro realizado em
colaboração com Peter Handke. Conta a história de dois anjos que deambulam pela
Berlim do pós guerra. Invisíveis, os anjos tentam confortar os pensamentos
solitários e depressivos dos humanos tão humanos daquela época. Porém, o que mais
nos interessa aqui é a imagem da cidade, a própria realização cinematográfica
na representação da realidade.
Muitas vezes, principalmente através do cinema, a
representação da realidade passa de um mero simulacro de sua própria existência
para transformar-se na essência da realidade imaginada. Ou seja, ainda que
muitas pessoas nunca tenham ido a Berlim, existe uma imagem que faz parte da
construção imaginária dos indivíduos. Esta imagem imaginária é fruto da
representação da realidade que nos é apresentada nas mais diversas formas,
sendo o cinema uma das mais importantes. Digo que seja das mais importantes,
pois, é através da fotografia em movimento que surgiram as mais belas e
interessantes representações e reproduções do espaço real, possibilitando a
alusão, ilusão e a imaginação da realidade a partir de uma mera simulação.
Justamente através da dimensão do tempo, que aparece com o
cinema, que é possível a melhor compreensão do espaço. Vai além da fotografia
estática, cria uma atmosfera que possibilita aos sujeitos uma construção real
na memória a partir de uma simulação.
O filme de Wenders é, acima de tudo, um documentário
histórico do que foi a Berlim do final dos anos 80. A representação da cidade,
enfim, é uma memória que perdura na imaginação das pessoas. É a reprodução
infinita, de uma cidade que já não existe, no consciente coletivo, na
capacidade imaginaria dos seres humanos. Quando penso que conhecer algo é
produzir tempo na memória, parece que a cidade extinta, representada no filme,
se multiplica em cada telespectador, crescendo infinitamente como se ainda existisse.
Às vezes, o filme transforma o pesado muro que castigava
aquela cidade em algo belo. A partir do momento que todo sofrimento é passado,
aquela imagem é quase nostálgica e agradável, principalmente por saber que sua
existência já foi superada por um futuro belo e exemplar. Despretensiosamente
diria que, o antigo muro parece ser hoje um instrumento da mudança, em uma
espécie de causa e efeito. Provavelmente isso seja apena um devaneio sem
sentido.
Deste modo, penso no que foi escrito anteriormente. Que o
Elevado Presidente Arthur da Costa e Silva, o famoso “minhocão” seja o nosso
muro de Berlim. Parece-me muito interessante que os documentários realizados
possam contar a trajetória de tão horroroso objeto, que possibilite os
indivíduos de hoje, e principalmente os de amanhã, a situarem no seu imaginário
um objeto que quiçá, deixará de existir em algumas décadas.
Tudo me faz acreditar que o elevado é realmente um muro.
Embora não seja um limite físico, se configura como um limite sócio-espacial,
econômico, um espaço de transição entre duas cidades bastante distintas. Talvez
esta divisão existisse de qualquer modo, como ela existe em toda a cidade,
ainda que de modo mais ameno. O minhocão aproxima incrivelmente as realidades
opostas e as distancia tanto quando é possível imaginar.
Diferentemente do muro, onde o vazio estava repleto de
militares, o nosso vazio está repleto de automóveis. Na verdade não sei o que é
pior. Pois, algo que foi construído simplesmente para dar passagem a automóveis
individuais, passando literalmente por cima da cidade e dos pedestres, é tão
agressivo quanto um bando de militares armados preparados para atirar em quem
se aproxime.
Observo a esse pesado fardo que a cidade carrega já com
certa nostalgia. Nas fotos antigas o minhocão até parecia mais ameno. O vejo,
como já foi dito, como um instrumento de mudança, um exemplo a não ser seguido,
algo a ser combatido, aprimorado, repensado. Penso em como a cidade seria bela
sem ele, ou pelo menos sem os automóveis. Acredito que o minhocão hoje é uma
ferramenta da mudança, pois, se podemos lidar com um monstro de concreto que
divide a nossa cidade e seus habitantes, quão mais fácil será lidar com uma
cidade aberta, continua e inclusiva.
Penso no elevado já como um documento histórico das obras
faraônicas dos anos de ditadura militar. Penso como uma ilusão de uma realidade
distinta, como um filme que documenta algo sem nos mostrar o caminho, e somos
nós a imaginar as possibilidades que se encontram ocultas hoje para realiza-las
amanhã.