domingo, 22 de abril de 2012

a primeira vez


Por Vinicius Libardoni

Uma mistura de espanto e admiração são as experiências sensíveis que experimentei no primeiro contato com a maior metrópole brasileira. Um jovem de 16 anos, oriundo de uma pequena cidade no interior remoto do país, entra em um ônibus urbano na Av. Marginal Tietê rumo ao centro. Percorri a Avenida Rio Branco, desci do ônibus no Largo Paiçandú acompanhado de um guia inexperiente, um amigo alemão da Westphalia que havia visitado a cidade uma única vez. Os primeiros passos inseguros e os olhos atentos a tudo me guiavam pela cidade. Passando pelo Teatro Municipal, pelo Viaduto do Chá e o Vale do Anhangabaú, a Praça São Bento, o Pátio do Colégio, da Praça da Sé até a Liberdade. Tudo parecia novo e estranho, desde a miséria daqueles homens do Largo Paiçandú as prostitutas aguardando seus clientes na Avenida da Liberdade. Horas eternas passando do espanto à admiração. A percepção de uma paisagem sublime, que causa espanto mais por sua originalidade que por sua realidade. Um estranhamento completo, a mais pura sensação de liberdade. Esta foi a minha primeira experiência naquela cidade que passei a admirar profundamente.

O sublime considera aspectos extraordinários e grandiosos do espaço, considera um ambiente hostil e misterioso, desenvolve no indivíduo uma sensação de estranhamento, espanto e admiração. É o desconhecido, o que não nos é familiar. Normalmente não aceitamos de imediato àquilo que é distinto, é difícil compreender aquilo que é estranho, diferente. Gostamos daquilo que é de fácil aprendizagem, o que nos dá segurança. É aquilo que se relaciona, mesmo que inconscientemente, com as cosias do passado e permite construir relações dialéticas com nossa experiência prévia. É um fenômeno que Tony Díaz define como ressonância temporal, para ele, o grau de satisfação está determinado por estas idas e vindas à memória, pela possibilidade de que se desenvolvam estas viagens para o passado e para o presente. “Quando gostamos das cosias, é porque se atravessa felizmente pela experiência da ressonância temporal; quando não gostamos, é porque a ressonância temporal não existe ou está mal articulada” (Díaz, 2008).

Seguramente, a percepção daquela experiência, ligada diretamente com a sensação de estranhamento, causou curiosidade. Um anseio por compreender aquela realidade.

Agora, anos mais tarde, paro para refletir o porque deste desejo por apreender as formas, o espaço e a complexidade da paisagem urbana produzida anonimamente pelo coletivo de interesses que construíram a cidade de São Paulo. Este texto é uma tentativa de explicar um anseio por compreender um espaço que me causa imenso entusiasmo com a finalidade de construir uma linguagem própria para a interpretação da cidade convertendo-a em conhecimento.


Díaz, T. (2008). La ressonancia temporal en la arquitectura. Summa + 97, 34-43.

domingo, 15 de abril de 2012

Yasujiro Ozu, longboard y una nostalgia que me mata

Por Samuel R. Rocha e Vinicius Libardoni



Yasujiro Ozu, japonês nascido aos 12 de dezembro de 1903, foi um dos maiores cineastas e roteiristas que o século XX pôde produzir. Infelizmente, toda e qualquer forma de manifestação cultural vinda do oriente (e não só isso), tem ainda hoje tão limitada repercussão em nosso mundinho americanizado. Não é diferente no campo do cinema, longe disso. Nossa cultura cinéfila é monstruosamente hollywoodiana.

E o que tudo isso tem a ver com um título tão incrédulo que congrega Ozu, longboard e a tal nostalgia que me assalta cotidianamente?

Aprendi, com um velho amigo, a ver relatividade em tudo. Embora isso também possa ser relativo, acredito na fantasia que é permitir-se narrar estranhas similaridades que nos ocorrem. Aliás, como descreveu Ângelo Bucci em seu livro “Da dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes” referindo-se à Poética do espaço de Bachelard:

“As lembranças que temos das experiências vividas têm um limite: o esboço da fala. Antes dela a memória, como a língua, apenas balbucia. Isso quer dizer que a memória, para ser constituída, precisa ser descrita. Então, é na narrativa dos fatos que a nossa experiência ganha significado e permanência. Daí o valor das conversas, das histórias contadas, para as atividades que recorrem à memória, às associações e à imaginação, ou daí o valor da tradição oral para as atividades propriamente humanas.” 

Falando de associacionismos que nos ocorrem, individualmente perceptíveis a partir das experiências prévias vividas. Discorrendo da necessidade da descrição dos fatos como construção da memória no espaço tão bem esclarecida por Foucault em seu livro As palavras e as coisas. E, de fato, tocando o tema do espaço e sua representação, nada melhor que incluir cinema. A arte que de melhor forma descreve a arquitetura e a cidade, ou seja, o espaço. 


Foi assistindo um vídeo chamado MADRID LONGBOARD que Yasujiro Ozu pareceu renascer, pelo menos pra mim. Descrito com o "maisjaponês dos realizadores de cinema", teve uma tardia e dura passagem do cinema mudo para o sonoro, e mais tarde, em aceitar as cores como intensificador da expressividade na grande tela. Excêntrico e perfeccionista, tudo é compreensível quando se assiste a algum filme do diretor nipônico. Já em seu cinema sonoro, como em “Filho único” (1936), percebe-se o controle dos intervalos sonoros como ferramenta de comunicação, com Ozu o cinema sonoro ainda fala, em silêncio.

Além disso, destacado por todos os críticos da obra de Yasujiro Ozu, o seu estilo de plano é completamente distinto. Filmado pelo operador de câmera de cócoras, tenuamente instigante para nós, ocidentais, a mim, este fato parece aproximar a obra de Ozu com aquelas câmeras que percorrem a cidade na carona de um longboarder. De nenhuma maneira pretendo diminuir (por que verdadeiramente desconheço todos os fatores que constituem a forma singular de rodagem de Ozu), ou desvalorizar a sua obra, como tampouco posso fazer comparações.

Ambas situações são incomparáveis e este não é o foco desta exposição. O que se trata é uma espécie de Resonacia temporal[1] entre uma forma de descrever a cidade e a obra de um grande cineasta. O vídeo, anteriormente já citado, pretende, a meu ver, descrever de forma poética a maneira de utilizar o esporte como apropriação do espaço da cidade. E o que enxengo, é uma maneira única de descrever a cidade. Ao trazer a câmera ao nível de Ozu, agora em movimento e em um plano sequencia larguíssimo, muito distinto da forma de plano e contra plano fixo-frontal de Ozu, se cria uma maneira ímpar de representar o espaço-tempo da cidade. Uma maneira única de compreender um espaço que tive a felicidade de percorrer diariamente. 



É ai que entra a nostalgia neste bonde. Somado a todo este discurso desconexo, é esta cidade belamente representada neste vídeo que tanto me emociona. A paisagem, as cores, texturas, o deslizar por suas calçadas contínuas e infinitas, pelo relevo cume na Gran Vía que se escorre para a Plaza del Sol ou sentido a Puerta de Alcalá, a praça de Callao, e tantos edifícios belos e presentes no espaço da cidade. Madrid tem um tal de deixar-se levar, um derivar infinito que promove a criatividade e inventividade dos seus habitantes. Isso é evidente seja qual for a maneira de descrever seu espaço, seja em palavras, fotografias, música ou sob um passeio de longboard relembrando Yasujiro Ozu nos filmes em cartas da Gran Vía.




[1] La resonancia temporal en la arquitectura, (pg.34-43). Tony Díaz, Summa+ 97, Noviembre 2008.