sábado, 24 de março de 2012

o centro de São Paulo e os Jardins de Tântalo


“O consumo é superficial, portanto torna as massas infantis; o rock é violento, não verbal, portanto põe fim a razão; as indústrias culturais são estereotipadas, portanto a televisão embota os indivíduos e fabrica moluscos descerebrados. O feeling e o zapping esvaziam as cabeças; o mal de qualquer modo é o superficial, sem que se chegue a desconfiar nem por um segundo que efeitos individuais e sociais contrários às aparências, possam ser a verdade histórica da era da sedução generalizada.”

Gilles Lipovetsky em Império do efêmero. 



João Braga e Vinicis Libardoni 

De caráter extremamente superficial, a maioria dos seres humanos sente necessidade de oferecer uma explicação para todas as coisas. Neste processo, produzem, evidentemente, as coisas de maneira coletiva, social. Projetam-nas para fora de si e, pouco a pouco esquecem de que foram criadores desses seres, passando a acreditar no inverso. Ou seja, não se reconhecem nesse Outro. Em latim, “outro” se diz: alienus. Feuerbach chamou esse fato de “alienação”.

Feuerbach foi um filósofo alemão que, abandonou os estudos de teologia para se tornar aluno de Hegel em Berlim. Posteriormente afirmou que Hegel descrevia o homem de ponta-cabeça e que teríamos que entendê-lo de cabeça pra baixo. Enfim.

Parece que tudo está virado do avesso mesmo. Veremos a seguir como essa afirmação é evidente.

Porque toda esta história de alienação veio parar aqui, onde se procura discutir sobre a situação das áreas centrais da cidade de São Paulo? O que mais me instiga é que a população desta cidade, e do Brasil todo, vive naufragada num mar de alienação social. Estão completamente alienados dos problemas, reais, presentes nas nossas cidades. A tecnologia, a rotina massiva (de ocupação ou desocupação – tanto uma quanto a outra resultam em uma “ocupação” intensa do indivíduo) ou somente a inércia que controla a massa brasileira são uns dos fatores de alienação. Sentem preguiça de fazer algo só de penar em fazê-lo. Onde já se viu fazer uma manifestação na rua? - Isso é coisa de desocupado (pensam os ocupados!)

Somente através deste limbo moroso que impregna nossa crescente população economicamente ativa, podemos compreender porque a ideologia é tão importante para manter a perversa máquina estatal e seu rebanho burguês. Este discurso ideológico, que todos (quase todos) somos reféns, é promovido pela mídia de caráter superficial que, causa um imenso processo erosivo na mente dos nossos cidadãos. “A sedução distrativa da mídia só pode sujeitar a razão, enviscar e desestruturar o espírito”.

Chega de tanta enrolação, e vamos ao que interessa. Esta discussão (isto tudo realmente tinha como finalidade gerar uma discussão, enfim, torna-se quase um monólogo), apareceu quando das leituras sobre o centro de São Paulo. A imagem ideologicamente construída e predominante atualmente define este espaço nobre da cidade como, decadente, degradado e desocupado.

A denominação de determinadas áreas como “cracolândia” é o fim da picada! Então vamos generalizar tudo e enfiar no mesmo saco: no rio de janeiro tudo é favela, em Nova York só existem arranha-céus, e na Cidade do México, quando você pede se alguém tem fogo, você é metralhado no mesmo instante. Cracolândia é o c@$%&¿*!!!

E depois de vender esse discurso ideológico podre para toda a população, acredita que este discurso pode legitimar suas ações de “revitalização”. Revitalização significa “re-vitalizar”, ou seja, dar vida novamente. Dar vida novamente? O centro de São Paulo é um dos lugares mais “vivos” da cidade! Local de trabalho de milhões de habitantes! A densidade do centro durante o meio dia é 400% maior que a meia noite! O que precisa ser feito, aliás, o sucesso de qualquer plano de revitalização de áreas centrais demanda um programa habitacional, um programa habitacional para a população de baixa renda.

A burguesia iniciou sua evasão para o seu “centro novo” no corredor sudoeste e passou a chamar o centro da cidade de “centro velho”. Flávio Villaça afirma que as classes dominantes abandonaram o centro da cidade “alegando que estava se deteriorando, quando na verdade essa “deterioração” é efeito e não causa do abandono. A burguesia diz que os centros de nossas cidades estão decadentes quando na verdade, para as classes dominadas, eles estão em ascensão, não em decadência”.

A ocupação do centro pelas massas, que colaborou com a ideia de “decadência”, é a sua maior riqueza. Essa diversidade, multiplicidade e acessibilidade absoluta promovem a ideia de ascensão para as massas, para as quais o centro nunca deixou de ser o centro. É lá que está a maior oferta de empregos para esta população (7,5 empregos/habitante). É no centro que se localizam suas lojas, seus cinemas, seus profissionais liberais. E não acreditem que eles pagam barato ou que moram de graça para estarem lá. Pagam para morar no centro, e pagam caro. Pagam caro e vivem em situações desumanas, encortiçados em espaços insalubres e pagando uma fortuna! Percentualmente mais caro que em bairros como Pinheiros e Vila Madalena (por metro quadrado). Eles estão ali porque precisam, e mais, porque amam aquele lugar.

Para a população de baixa renda a diversidade social é ótima, por isso gostam tanto do centro. Dizem que Habitação de Interesse Social – HIS “desvaloriza” um edifício ou uma região para a classe média e média alta. Eu bem que gostaria de ouvir alguém falando isso pessoalmente, eu até espero que isso aconteça em um dia que esteja bem inspirado. Fabuloso! Se “desvaloriza” melhor ainda! Espero que o poder público perceba nisso uma verdadeira oportunidade de promover intensamente HIS no centro, pois assim os mecanismos de especulação, para a promoção de Habitação para outras faixas de renda, possa ser minimante controlado.

O centro é espaço de convívio, de diversidade social, de possibilidades e multiplicidade, quem quiser se isolar é que se mande pra china ou para os jardins de Tântalo, não no centro de São Paulo. Não podemos desperdiçar um espaço dotado de infraestrutura, serviços e equipamentos, um espaço que é da massa por direito, e agora é dever do Estado viabilizar isso, seja através de instrumentos legais, políticas públicas, formação técnica e profissional, fomentando empresas mistas especializadas ou até através de ideologia, seja como for, o centro é de todos!

LUZ, por Left Hand Rotation. Link original: http://vimeo.com/32513151

quarta-feira, 7 de março de 2012

The Blues Brothers, um verdadeiro musical


Por David João Maia e Samuel R. Rocha

No dia cinco de março de mil novecentos e oitenta e dois, John Adam Belushi, como se diz por ai, “foi dessa para uma melhor”. Então com trinta e três anos, assim como jesus cristo, o célebre comediante do Saturday Night Live (John e não Jesus) meteu-se uma speedball na veia. O barbudo ali também sofreu com objetos pontiagudos, os remotos pregos e coroas de espinhos da modernidade são a cocaína e heroína misturadas no tal da “bola veloz”.

Belushi deixou este mundo, e o quarto do Chateau que alugava em Los Angeles, depois de injetar aquela bomba. Posteriormente, descobriu-se que a dose cavalar não tinha sido “acidentalmente” administrada. Cathy Smith, uma groupie safada (perdoem-me o pleonasmo, mais cabe aqui para intensificar o adjetivo), foi condenada pelas “bolas velozes” que arrebentaram nosso fantástico Jake Blues.

A “doidona”, mais tarde acabou declarando: “I killed John Belushi. I didn’t mean to, but I am responsible”. Conheceu John através dos Stones, acostumada a tratar com gente grande, Ron Wood e Keith Richards, Belushi, que não era um viciado em heroína, droga a qual, pouco usava antes do terrível acidente, se tornou uma espécie de Mia Wallace (Pulp Fiction) nas mãos da viciada salafrária. Entretanto, o “bunda mole” (Robin Willians) que estavam na cena do crime, não dispunha de uma bela injeção de adrenalina para cravar-lhe no meio do peito e o caráter da própria Cathy Smith pouco se assemelha ao admirável Vincent Vega, interpretado por outro John, o Travolta.

Dizem que até Robert de Niro havia comparecido no apê de Belushi naquela noite, estaria ele procurando por um Chateau? (I’m looking for a Chateau, 21 rooms but one will do). Uma coincidência plausível, como a de jesus cristo, além de que de Niro e Belushi tivessem se encontrado naquele maldito Chateau naquela noite, algo na carreira dos dois é que me emociona.

No fatídico ano de mil novecentos e oitenta, enquanto Robert rodava cenas de “Raging Bull” de Martin Scorsese, John gravava o musical “The Blues Brothers”. Tal comentário se deve ao fato de que, estes dois filmes são uns de meus favoritos, cada um no seu estilo. Robert de Niro se saiu melhor no Touro Enraivecido ganhando o seu único Oscar como melhor ator e também se saiu melhor naquela noite, saiu vivinho da silva daquela porcaria de Chateau amaldiçoado.

The Blues Brothers apareceram por primeira vez no dia 22 de abril de 1978 como convidadosl no programa Saturday Night Live. Tudo deveria parar por ai, porém, quanto mais as músicas tocavam na rádio, mais crescia a vontade de ir adiante e de gravar um álbum da banda. Briefcase Full of Blues foi lançado no mesmo ano de mil novecentos e setenta e oito. Um sucesso total nas paradas, chegou ao número um no Bilboard 200 e não se ouvia nada mais que “Rubber Biscuit” (Charles Johnson e Adam R. Levy) e “Soul Man” (Isaac Hayes e David Porter).

O filme “The Blues Brothers” feio para coroar o feito de Jake e Elwood Blues (John Belushi e Dan Aykroyd). Dirigido por John Landis, que também foi o roteirista em conjunto com Dan, The Blues Brothers é um dos melhores musicais jamais produzidos de R&B. Além dos Blues Brothers o filme trás uma série de grandes músicos, verdadeiras lendas do jazz, funk, blues e rock n’roll. Uma comédia permeada por verdadeiros números musicais a la Chicago.

James Brown, o rei do funk, faz uma participação pra lá de cômica e empolgante como “Reverendo Cleophus” na igreja “triple rock” repleta de negros pra lá de animados.

John Lee Hoocker aparece interpretando a si mesmo, cantando uma de suas melhores composições (boom boom), no mesmo ano que foi induzido ao “Blues Hall of Fame”(1980), então com 63 anos. Com seu blues leve e penetrante aparece em meio à multidão, em um subúrbio de Chicago que mais se parece com a vinte e cinco de março de São Paulo.

Aretha Franklin comparece em uma das cenas mais cômicas do filme, quando no seu estabelecimento com o sugestivo nome de “soul food café”, Jake e Elwood fazem seus respectivos pedidos de Blues Brothers: “Some toasted white bread, dry” (para Elwood) e “Four fried chickens and a coke” (para Jake). Aretha interpreta estupidamente bem e canta melhor ainda a musica “Think” (You better think (think)).

Ray Charles é sem dúvida o ponto alto dentro do The Blues Brothes, exatamente no meio do filme, é o cume do próprio musical. Divertido e transpirando musica, Ray trabalha em uma loja de equipamentos musicais usados, onde os Blues Brothers pretendem adquirir seus badulaques. Uma verdadeira performance musical, Ray Charles compartilha com os Blues Brothers o verdadeiro estopim do hit “Shake a Tail Feather” já tocada antes pelo grupo “The Five Du-Tones” e também por “James e Bobby Purify” quando chegou ao número 25 das paradas. A essência da musica dos Dancing Days, na versão de Ray com os Blues Brothers são incluídas as danças: the twist, the monkey, the frug e the mashed potato performance emblemática de Jake e Elwood e também do grupo Crew tomando toda a rua em uma cena que ficou gravada na memória de todos que assistiram ao musical.

Posteriormente um bando de jovens loiros, os Hansons, gravaram um verdadeiro pastiche do hit Shake a Tail Feather” com a sua Thinking ‘bout Somethin’, com o mesmo cenário o antigo Ray’s Music Exchange (agora Tay’s Music Exchange). Todo e qualquer sucesso de tal performance, se deve a toda originalidade presente no filme The Blues Brothers, ainda assim, me parece uma homenagem de relativo apreço por parte dos branquelos.

Cab Calloway faz uma de suas melhores performances já filmadas no show que deveria ser a abertura ao grande show do Blues Brothers no filme. Tornou-se um musical cheio de vigor e de um swing jazzístico fora de serie. Iniciando com a sua Minnie the Moocher, primeiramente gravada quase cinquenta anos antes, em 1931 por ele mesmo e sua orquestra, configurando um dos grandes sucessos do Jazz americano e vendendo mais de um milhão de cópias. Parece que não havia se passado nem um minuto desde seu sucesso prematuro, quando o auditório inteiro canta em coro junto com Cab Calloway e aplaude de pé, mais do que uma cena de um filme musical, foi, a meu ver, uma verdadeira emoção que a plateia vivenciou naquele dia. Seria normal que depois de um verdadeiro show a plateia não tivesse qualquer reação perante os Blues Brothers.

Entretanto, cantando “Everybody needs somebody to love” (I need you, you, you…) o auditório se levanta. Um hit impossível, de carregado qualquer um (everybody) com a música. The Blues Brothers são comédia, emotividade, empolgação, ritmo e pulso, enfim, são “blues brothers”. Como é a segunda música do show “Sweet home Chicago” composta pela lenda “Robert Johnson”. A essência do blues naquele filme: simplicidade, a lenda: Robert Johnson, a cidade: Chicago e The Blues Brothers.

Finalmente, para encerrar o grande musical não poderia faltar o rei do rock. Jailhouse Rock, música e filme de Elvis Presley de 1957. Encenada no estilo Johnny Cash, a galera do xilindró faz uma verdadeira festa como no Carandiru de Rita Cadilac. The Blues Brothers é, sem dúvida, um dos melhores musicais já produzidos pela grande tela. Merece e vale a pena ser visto e revisto.

É de uma dupla personalidade, como o show de Cab Calloway, onde o figurino é somente imaginação ou toda aquela interpretação de Curtis é fruto da ficção do cinema? Os interpretes, vivenciando verdadeiras lendas da música americana do século XX e pessoas normais paralelamente, transformam as cenas em uma espécie de miragem musical, uma linha tênue separa o sonho da realidade, talvez isso é o que transfere a película tanta emotividade e pulsação.