quinta-feira, 22 de novembro de 2012

muito de quase nada



Pensamentos descritos razoavelmente para que servem? Feliz dos poucos que não se deram conta do quão depressa as coisas se movimentam. Estamos sentados, paralisados. E o mundo está girando, a todo vapor. Assistimos a passagem da vida em alta frequência. E nos dizem que estamos desfrutando da realidade em alta definição. Quanto mais real se torna aquilo que está sendo representado a nossa frente, mais fajuta se torna a nossa vida, ao ponto, de existir mais valor no que se vê do que no que se vive. Estamos observando o tempo consumir as coisas. Não há tempo para estar consigo mesmo, quem dera com os outros. Estar atualizado demanda atenção. Aliás, já não há ninguém com déficit de atenção não é verdade? As luzes se acendem e as relações pessoais se tornaram virtuais. Virtual, por definição é algo que ainda não se realizou. Assim, estamos de passagem e tudo que tentamos preencher, as amizades, os encontros, os lugares, as intenções, ainda não se realizaram. E vamos seguindo no mundo do faz de conta. Atualmente é preciso enganar-se a si mesmo. Que temos um emprego maravilhoso, que amamos a nossa família, que a vida é perfeita. Tentamos nos convencer de estar fazendo parte de um sonho comum. Inventado. Por trás do véu invisível do ser virtual existem pessoas frágeis, imaturas, insensíveis, ignorantes. Fazem de conta que as coisas não existem. Que o mundo e as pessoas não existem. Assim se tornam descartáveis. Como se diz, existimos sempre que haja lembrança. Lembrança se constrói, vivendo. Compartilhando o tempo frente a frente, olho no olho.
Estamos muito atarefados, ocupados. Quem dera sentar e pensar em algo, em qualquer coisa. O tempo ruge. Não há arrependimento de viver. Mais sim de deixar a vida passar. Vale a pena parar. Pensar se o que estamos fazendo realmente faz sentido. Parece não haver muito sentido em lutar muito por tão pouco. O sucesso não vem necessariamente no mesmo caminho daqueles que já chegaram ao cume. O segredo está em descobrir um novo caminho. Pensar algo novo, que tenha sentido para muitos. Então, se as pessoas tem dificuldade em entender-nos, acredito que estamos no caminho equivocado.
Os dias passam. Em anos superamos prazos, medidas, cotas, valores, metas, pessoas. Não superamos desafios intelectuais. Somos sempre a mesma pessoa em essência. Não digamos profissionalmente, economicamente. À medida que nos credenciamos mais na nossa área, somos mais ignorantes em tudo. Deixamos de aprender, de descobrir de criar. Parece que as pessoas aprendem tantas coisas novas nos seus primeiros anos, línguas, instrumentos, métodos de expressão, atividades físicas. E depois passamos o resto da vida tentando ser bom em apenas alguma coisa. Estamos assistindo a vida passar e tentando de todas as maneiras atrofiar o próprio cérebro. Que bom somos conosco.
Os dias são iguais, as pessoas são sempre as mesmas, os lugares, os de sempre. Os anos passam depressa. Não há muitas memórias que recordar, é uma coleção de arquivos iguais. Verdadeiramente é uma sobreposição diária de mesma coisa, enquanto que a memória fica sempre vazia.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

por uma questão de prioridade




A região central de São Paulo foi tema de uma breve apresentação na “TV Folha” na última segunda-feira.  Apontando uma suposta elitização do centro nos últimos anos, principalmente pelo aumento do grau de educação dos seus habitantes e também pela conscientização da população moradora quanto a zeladoria urbana e segurança.

Fato é que, ainda que incipiente, existe uma elitização da região central, ou uma expansão das áreas que nunca deixaram de ser nobres para aquelas áreas imediatas que tendem a ser requalificadas pouco a pouco. Logicamente, essa maior procura por habitação na região central, que vem avançando de forma centrípeta, se relaciona diretamente com uma valorização imobiliária que, por essência, causa segregação.

Neste avanço impiedoso das classes mais abastadas para o centro e região central intermediária, a população de mais baixa renda vem sendo obrigada a deixar o local, pelo menos aqueles que alugam um imóvel ou ainda se for de propriedade privada. Existem aqueles que não tem alternativa e permanecem, principalmente nas áreas menos valorizadas, como a região da Santa Ifigênia, Luz, etc. Isso porque a região conhecida pejorativamente de “cracolândia” aparece no cenário social como sem solução, legitimando, através do discurso perverso do Estado, uma atuação imediata de “limpeza” dos males dos quais padece o centro.

Os habitantes de baixa renda, os cortiços, os moradores em situação de rua, não são, e estão muito longe de ser a causa da chamada degradação da região central. Entretanto são apontados como agentes de desvalorização, que devem ser combatidos para que a região possa ser valorizada novamente. Isso tudo não faz o mínimo sentido.

Como também não faz sentido algum o debate sobre o futuro do Minhocão sem considerar a situação social da região. É injustificável a defesa de um parque sobre a via elevada quando a verdadeira carência da região extrapola a necessidade de áreas públicas e verdes.  A verdadeira deficiência da região central e da população que ali habita é habitação, principalmente habitação de interesse social, e mais, voltada para famílias com rendimento até três salários mínimos.

Acertadamente o fotógrafo Felipe Morozini coloca: “é utópico investir dinheiro em um “minhocão jardim” e em baixo continuar morando as mesmas famílias que eu vejo aqui há oito anos em baixo do minhocão”.

O que se faz necessário é uma questão de prioridades, de colocar as boas ideias (que não são poucas) em prática. Articular as atividades para o bem da cidade e dos seus cidadãos. Garantir que a população menos favorecida possa permanecer e mais, repovoar a região central. Habitação Social com prioridade absoluta em relação à habitação para a classe média. Deve-se desenvolver e aplicar uma política habitacional para o centro da cidade urgentemente, de maneira democrática e solidária. E mesmo que seja necessário o debate sobre a demolição do minhocão, como defende Guilherme Wisnik no texto “Sob o signo da demolição”, de nada adianta transformar o gigante de concreto se a população que se abriga sobre seus mais de três quilômetros não tem a mínima possibilidade de acesso à habitação digna na região central.

“Portanto, demolir ou não o minhocão não é uma questão. O que devíamos discutir é a viabilidade de fazê-lo agora ou no futuro” (Guilherme Wisnik).

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

nostalgia de um passado ainda futuro


Der Himmel über Berlin (Wings of Desire), ou “Asas do Desejo” é nome de um filme dirigido por Wim Wenders a partir de um roteiro realizado em colaboração com Peter Handke. Conta a história de dois anjos que deambulam pela Berlim do pós guerra. Invisíveis, os anjos tentam confortar os pensamentos solitários e depressivos dos humanos tão humanos daquela época. Porém, o que mais nos interessa aqui é a imagem da cidade, a própria realização cinematográfica na representação da realidade.











Muitas vezes, principalmente através do cinema, a representação da realidade passa de um mero simulacro de sua própria existência para transformar-se na essência da realidade imaginada. Ou seja, ainda que muitas pessoas nunca tenham ido a Berlim, existe uma imagem que faz parte da construção imaginária dos indivíduos. Esta imagem imaginária é fruto da representação da realidade que nos é apresentada nas mais diversas formas, sendo o cinema uma das mais importantes. Digo que seja das mais importantes, pois, é através da fotografia em movimento que surgiram as mais belas e interessantes representações e reproduções do espaço real, possibilitando a alusão, ilusão e a imaginação da realidade a partir de uma mera simulação.

Justamente através da dimensão do tempo, que aparece com o cinema, que é possível a melhor compreensão do espaço. Vai além da fotografia estática, cria uma atmosfera que possibilita aos sujeitos uma construção real na memória a partir de uma simulação.

O filme de Wenders é, acima de tudo, um documentário histórico do que foi a Berlim do final dos anos 80. A representação da cidade, enfim, é uma memória que perdura na imaginação das pessoas. É a reprodução infinita, de uma cidade que já não existe, no consciente coletivo, na capacidade imaginaria dos seres humanos. Quando penso que conhecer algo é produzir tempo na memória, parece que a cidade extinta, representada no filme, se multiplica em cada telespectador, crescendo infinitamente como se ainda existisse.

Às vezes, o filme transforma o pesado muro que castigava aquela cidade em algo belo. A partir do momento que todo sofrimento é passado, aquela imagem é quase nostálgica e agradável, principalmente por saber que sua existência já foi superada por um futuro belo e exemplar. Despretensiosamente diria que, o antigo muro parece ser hoje um instrumento da mudança, em uma espécie de causa e efeito. Provavelmente isso seja apena um devaneio sem sentido.

Deste modo, penso no que foi escrito anteriormente. Que o Elevado Presidente Arthur da Costa e Silva, o famoso “minhocão” seja o nosso muro de Berlim. Parece-me muito interessante que os documentários realizados possam contar a trajetória de tão horroroso objeto, que possibilite os indivíduos de hoje, e principalmente os de amanhã, a situarem no seu imaginário um objeto que quiçá, deixará de existir em algumas décadas.

Tudo me faz acreditar que o elevado é realmente um muro. Embora não seja um limite físico, se configura como um limite sócio-espacial, econômico, um espaço de transição entre duas cidades bastante distintas. Talvez esta divisão existisse de qualquer modo, como ela existe em toda a cidade, ainda que de modo mais ameno. O minhocão aproxima incrivelmente as realidades opostas e as distancia tanto quando é possível imaginar.

Diferentemente do muro, onde o vazio estava repleto de militares, o nosso vazio está repleto de automóveis. Na verdade não sei o que é pior. Pois, algo que foi construído simplesmente para dar passagem a automóveis individuais, passando literalmente por cima da cidade e dos pedestres, é tão agressivo quanto um bando de militares armados preparados para atirar em quem se aproxime.

Observo a esse pesado fardo que a cidade carrega já com certa nostalgia. Nas fotos antigas o minhocão até parecia mais ameno. O vejo, como já foi dito, como um instrumento de mudança, um exemplo a não ser seguido, algo a ser combatido, aprimorado, repensado. Penso em como a cidade seria bela sem ele, ou pelo menos sem os automóveis. Acredito que o minhocão hoje é uma ferramenta da mudança, pois, se podemos lidar com um monstro de concreto que divide a nossa cidade e seus habitantes, quão mais fácil será lidar com uma cidade aberta, continua e inclusiva.

Penso no elevado já como um documento histórico das obras faraônicas dos anos de ditadura militar. Penso como uma ilusão de uma realidade distinta, como um filme que documenta algo sem nos mostrar o caminho, e somos nós a imaginar as possibilidades que se encontram ocultas hoje para realiza-las amanhã.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Minhocão, nosso muro de Berlim


Por Vinicius Libardoni

No caminho intelectual que transcorre a vida de um sujeito, encontram-se questões que geram reflexões diversas, construtoras de conhecimento e opinião. Muitas ideias que as coisas suscitam nos indivíduos nem sempre são conclusas ou remetem claridade e objetividade. Pra ser sincero, os assuntos que mais nos fazem pensar são aqueles que não resultam em algo concreto, em algo definido.

Encontrei-me com o Minhocão tantas vezes antes de empreender qualquer reflexão. Embora seja um elemento marcante na paisagem da cidade, é fato que segue sendo uma pista elevada, uma infraestrutura urbana como tantas outras. Verdade que aquela pista sinuosa que flutua sob a paisagem urbana permite diversas percepções da cidade. O ruído que ecoa nas paredes e janelas dos edifícios vizinhos parece destroça-los aos poucos, deixando a cada ano mais e mais vidraças quebradas e edifícios mortos, abandonados. Logicamente este gigante de concreto não é o morador contíguo mais desejado para seus habitantes. E nessa batalha diária com folgas aos domingos, o minhocão não desiste de sua rotina barulhenta e degradante. Com o tempo, os moradores de áreas adjacentes vão desistindo da luta e o muro vai ganhando envergadura.

O minhocão já não é somente um eixo viário, uma via elevada. É uma linha clara de ruptura com o tecido urbano, uma faixa que segrega cidades completamente distintas. Não sei se ele impede que a cidade alta invada a cidade baixa ou se repele os moradores indesejados dos bairros chiques. Não se sabe bem como opera essa muralha invisível. O fato é essa espessa linha tem forte impacto em seu entorno imediato.

Não diria que o muro de Berlin fora concebido como um território especulativo, nem mesmo o minhocão. Aqueles eram tempos de conflitos ideológicos muito mais complexos e, em nosso caso, o futuro vinha sobre rodas pneumáticas e era preciso multiplicar suas vias de acesso. Como o muro germânico, que dividia dois mundos antagônicos, o elevado não deixa de ser um grande vazio, proibido, intransitável, inacessível, ausente de pessoas, de atividades, de vida urbana. O muro era um limite intransponível, concreto. O elevado se transformou em um limite invisível de duas cidades antagônicas. É como a sombra que impede que a grama cresça, ou seja, na sombra do minhocão são os edifícios que não podem florescer.

É verdade que em uma cidade de dimensões como São Paulo, onde milhões de pessoas convivem com algum tipo de carência, não se podem desperdiçar os espaços urbanizados, dotados de infraestrutura, serviços e equipamentos públicos, acessibilidade e ofertas de emprego. Ainda que a degradação de seu entorno imediato permita a uma população de menor renda habitar um local central extremamente valorizado, essa não pode ser uma justificativa. Muito menos se uma possível transformação da área impeça esta população de permanecer no local, em uma dinâmica típica de gentrificação.

Se o elevado vai permanecer ou vai ser removido não é o foco da questão. O ponto principal deve ser mais uma questão para refletir. Que à população de baixa renda só reste a moradia em áreas degradadas e ainda estejam a mercê de uma futura expulsão causada por qualquer investimento na região, essa sim deve ser a questão do nosso foco. Dispomos de ferramentas técnicas que permitem lidar com a situação de ruído, de propor uma arquitetura adequada que transponha as limitações e permita transformar uma imensa faixa do centro em um espaço mais aprazível.

É obvio que o minhocão, e toda a vizinhança que ele arrasta consigo, se configuram como um território especulativo. Uma enorme faixa que simplesmente atravessa o centro de São Paulo (uma região extremamente valorizada da cidade). Se o minhocão fosse um High Line Park, uma espécie de parque urbano, promovendo conexões com os novos edifícios que seriam projetados, qualificando uma área atualmente carente de praças e áreas verdes a situação se transformaria da água para o vinho. Logicamente seria uma explosão de valorização dos imóveis da região, que vale a pena lembrar, já é extremamente valorizada. Uma transformação gigantesca, todos gostariam de morar em uma área próxima de tudo, dentro do centro e de frente para um parque. O mesmo aconteceria, embora em diferentes proporções, se o elevado recebesse um veículo leve sobre trilhos, ou até se fosse removido completamente. Continua e sempre será uma imensa faixa de território especulativo.

A visão estigmatizada da região parece imperar na consciência coletiva. Pinta como algo sem solução e assim se encontra, esquecida, deixada de lado. São centenas de terrenos, milhares de projetos para uma cidade possível. Poderíamos propor moradia digna à população de baixa, qualificar uma região inteira, promover novos usos, áreas verdes e espaços públicos, pensar sistemas alternativos de transporte e potencializar a acessibilidade e mobilidade urbana. Fazer com que essa imensa faixa degradada do centro pudesse se reinventar e pudesse conviver com as limitações que o elevado impõe e ainda assim, pudesse conviver perfeitamente com uma futura remoção ou transformação para outro uso. Atualmente, é preferível que o elevado permaneça no local, ocultando a falta de criatividade dos arquitetos que são incapazes de lidar com tão delicada situação.

Veja também o ótimo texto "Minhocão e suas múltiplas interpretações" de Eliana Rosa de Queiroz Barbosa publicada no portal Vitruvius.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

estado ausente, indivíduos frágeis


No auge de minha vida acadêmica, encontro-me, arraigado a esta ilha como nunca antes. Não seria um auge propriamente dito, mais enfim, o momento tão esperado, o último ano dos que já foram muitos. Posso dizer que é um período produtivo, e muito, mais pouco se deve ao entorno acadêmico, que a meu ver, castiga tanto seus alunos quanto a rotina de um humilde trabalhador que se desloca diariamente do longínquo submundo periférico ao centro de uma grande metrópole, ganhando muito pouco e com ainda menos perspectivas de vida melhor.

Esta população pobre, seja de recursos como de possibilidades, tanto se desgasta em sua rotina de sobrevivência que ao fim de cada jornada, não alcança maneiras de lutar por seus direitos, de refletir sobre sua situação, de organizar-se e tomar um posicionamento que, em uma sociedade mais justa, permitiria talvez, uma mudança no caminho das coisas. Assim como esta machacada camada da nossa sociedade, os alunos como eu, embora em escalas e por motivos distintos, também sofrem. É importante deixar claro que são realidade bastante distintas, aqueles trabalhadores representam a maioria de uma sociedade desigual e injusta, nós, alunos, somos minoria, extremamente beneficiada.

A contraposição foi colocada por um motivo simples, que a energia despendida para realizar as atividades cotidianas que cabe a cada atividade, seja do trabalhador ou do aluno, é muito maior daquela que o próprio indivíduo dispõe. Com isso, não há condições mínimas para que estas pessoas desenvolvam capacidade crítica ou atuação política. Acabam sufocados por suas próprias atividades e, quando muito, por outras de caráter mais superficial que são a única fuga do submundo dos perdedores em que habitam sem perspectivas próximas de ascensão social. Parece-me que estes sujeitos se apresentam como uma espécie de “servos da modernidade”.

Isto não pretende ser uma justificativa da minha pequena longa carreira de aluno. É somente um comento sobre aquele “auge” que citei inicialmente. Pois, somente liberto das intensas e desestimulantes atividades acadêmicas é que o aluno pode desenvolver-se politica, crítica e artisticamente. Talvez sejam apenas fases, etapas que servem de peldanhos para alcançar algo mais a cada passo. Ou, sejam apenas pobres justificativas de algo injustificável, mais ainda assim, necessário.

Pois, paradoxalmente, mais livre e consciente, encontro-me radicalmente fixo a este território. Não que isso seja um dado negativo, muito pelo contrario, devo muito de tudo e de cada pequena coisa a esta cidade e a vida que levo aqui. Entretanto, infelizmente, minhas viagens longas e duradouras se extinguiram, e minhas fugas sazonais acabaram minguando. Mais é justamente num destes esparsos deslocamentos que tratei de compor este conto.

Percebi em uma pequena cidade, transformações evidentes que atropelam o quase imutável e tranquilo ritmo de vida de seus habitantes. Aqueles indivíduos, habitualmente sonolentos e despretensiosos, pouco percebem o ritmo frenético com que seu espaço urbano se transforma. Pequenas e médias cidades se modificam em um ritmo desconhecido, influenciado fortemente pela atual situação econômica privilegiada com que nosso país vive.

Estamos passando por uma espécie de “entusiasmo construtivo” que é fortalecido por financiamentos habitacionais abundantes via Programa Minha Casa Minha Vida. As cidades transformam-se em verdadeiros canteiros de obras, entretanto, a maioria destas obras, principalmente nos centros urbanos, parece privilegiar uma pequena parcela da população, enquanto que o chamado déficit habitacional paira sobre outra parcela, aquela de baixa renda. Mais, como bem foi colocado, estes investimentos habitacionais fazem parte de uma estratégia econômica, muito distante de uma política social.

Também faz parte desta política “anti-crise”, a redução de impostos sobre veículos novos. Vemos então um aumento significativo da frota de veículos e uma aparente estabilidade econômica. Diferentemente disso, as nossas cidades não apresentam a mesma tranquilidade, na verdade, percebe-se um real deterioro e degradação de seu espaço físico. Ora, pois, milhares de novos edifícios e obras públicas não deveriam qualificar nosso país? A primeira vista essa indagação poderia ser uma afirmação veemente. Entretanto não é o que acontece na prática.

É triste que tantos recursos sejam assim mal aplicados, para não dizer desperdiçados. Podemos até considerar uma espécie de desperdício, pois, quase sempre o barato sai caro. Se voltarmos a produzir habitação para baixa renda massivamente em áreas periféricas e, de uma qualidade completamente questionável, qual será a permanência destas arquiteturas? Destruiremos amanhã estas novas cidades que estamos construindo hoje? Tudo aponta para um fatídico “sim”.

E o que faremos com tantos carros? Com tantas novas pistas asfaltadas a cada dia? Enquanto os carros se proliferam como praga, as vias urbanas, a infraestrutura viária e os transportes públicos pouco se modificam. Assim, valorizando o automóvel e desvalorizando a arquitetura, poderíamos prever além de cidades cada vez mais congestionadas e de aparência questionável, pessoas crentes que o automóvel é o verdadeiro símbolo de ascensão social. Talvez futuramente as pessoas passem a morar em seus veículos e nos concentraremos apenas, em projetar garagens. 

domingo, 27 de maio de 2012

“o bom motivo de registrar”



As lembranças que temos das experiências vividas têm um limite: o esboço da fala. Antes dela a memória, como a língua, apenas balbucia. Isso quer dizer que a memória, para ser constituída, precisa ser descrita. Então, é na narrativa dos fatos que a nossa experiência ganha significado e permanência. Daí o valor das conversas, das histórias contadas, para as atividades que recorrem à memória, às associações e à imaginação, ou daí o valor da tradição oral para as atividades propriamente humanas.
Ângelo Bucci, no livro São Paulo, razões de arquitetura. Da dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes.

Afirmei na noite passada que, os processos criativos dois quais nos ocupamos é, de certa maneira, uma atividade espiritual. As atividades artísticas são, para mim, uma maneira de equilibrar-se, para viver melhor. É preciso expressar-se, seja qual for a método utilizado, é preciso dar forma as inquietações pessoais, de modo que uma coisa alimente a outra num circuito contínuo, produtivo.
Dar forma à memória é construir conhecimento. Descrever a memória é um processo de construção dela mesma e de aprendizado, amadurecimento e crescimento pessoal. Enfim, tá ai uma justificativa da descrição, sobre qualquer coisa. As pessoas precisam aprender a conversar, compartilhar, falar sobre tudo ou sobre nada. Assim, para descrever se faz necessário recorrer à memória, que é efêmera e se desfaz rapidamente.
Tudo se transforma neste caminho infinito do autoconhecimento, os registros servem não só para olhar para trás e perceber as mudanças, mais essencialmente para absorver o conteúdo das coisas e preencher o que geralmente está sempre vazio. A memória. O imediatismo, a mania de novidade... assistimos a tudo sem perceber nada, ouvimos tudo sem escutar nada, vivemos sem construir, compartilhar, vivemos sem contribuir para nós mesmo, ser sem absorver nada. Vive-se um novo processo de “lobotomia-virtual”, nos deixamos levar, influenciar sem construir opinião. Poucos são aqueles que comentam, debatem, que descrevem a memória, e isso deveria ser apenas uma maneira de viver melhor consigo mesmo. Automaticamente, de conviver melhor com todos.
Evidentemente aquilo que causa entusiasmo, muitas vezes passa despercebido. São expectativas que acabamos criando, porém, que podem não têm importância alguma. Mais ainda assim vale descrever as coisas simplesmente e não criando demasiadas esperanças com coisas não tão importantes.
Não se pensaria se não se fosse expressar aquilo que se pensa, e não existe expressão se não se deseja fazê-lo desejando pensar. Entretanto, parece-me que quanto mais se recorre à memória no processo de construção de conhecimento, mais vazia resulta a própria memória. Uma contradição então, pois acredito que quanto mais informações possamos absorver, mais claras elas se apresentam. Isso porque só conseguimos ordenar as ideias em um grande conjunto, como se fosse uma escrivaninha, que só estará ordenada quando as coisas superficiais que pousam sobre ela forem despachadas e restarem somente aquelas que realmente importam.
Talvez isso tudo seja só ilusão. Ilusão de que alguém veja conteúdo onde nós encontramos somente vazio. Páginas escritas quando existem apenas páginas em branco. 

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Cidade, reflexo de seus habitantes


Este pequeno ensaio publicado no "Diário do Sudoeste", jornal da cidade de Pato Branco, foi construído sobre um outro ensaio, anteriormente publicado neste blog, sob o irônico título de "Beltão tem mais livrarias que Pato Branco!". A intenção deste ensaio, publicado no jornal, é a de gerar uma repercussão, mesmo que pequena, sobre a realidade da cidade, uma reflexão individual sobre nossa postura como coletividade na produção do espaço urbano e de suas atividades. Felizmente parece que a recepção foi interessante, recebi um comentário do pessoal da rádio "Elite FM" (em nome de Laudi Vedana), que multiplicou através deste meio, a mensagem deste ensaio, multiplicando a abrangência e ocasionando uma enorme alegria e este humilde autor. 
Grato a redação do Diário do Sudoeste e ao pessoal da Elite FM.


Na íntegra ...

Recentemente, em uma de minhas últimas visitas a Pato Branco, daquelas que nunca quero que chegue e depois, desejo que nunca termine, estive a refletir sobre algo interessante que acredito valer a pena compartilhar.
Caminhando por estas ruas deparei-me com uma quantidade enorme de algumas atividades, enquanto outras pareciam não existir. Poderia enumerar uma quantidade inacreditável de farmácias, lojas, salões de beleza, açougues, garagens, enfim, uma infinidade de coisas que permeiam o centro da cidade. Embora tudo isso pareça normal, acredito que os usos enraizados na cidade refletem diretamente a cultura de sua gente. E o que mais me intriga, é que não existe sequer uma livraria.
Está bem, podemos dizer que há lugares onde se vende meia dúzia de best-sellers, mais nada que se pareça com uma livraria, aquele espaço onde podemos deambular em busca de algo ou esperando que este algo nos encontre. Logicamente não existiria na Avenida Tupi algo como El Ateneo de Buenos Aires, ainda assim, sinto que a ausência de espaços como este, tenha grande impacto na vida de nossos habitantes. Alguém poderia nos dizer que hoje em dia não se compram mais livros como antigamente, que a tecnologia nos aproxima da cultura e que a internet pode fornecer todo o tipo de informação instantaneamente. Há ainda, aqueles que afirmam que a criação do e-book acabará, pouco a pouco, com a cultura ultrapassada de comprar livros e acumular papéis.
Pessoalmente, acredito que a internet tem se mostrado uma grande aliada à superficialidade do ser humano. Embora exista uma disponibilidade enorme de informação ao alcance de todos, há uma incrível preferência por futilidade em relação à utilidade.
Se no passado existiam cinemas e livrarias nas ruas desta cidade, me pergunto porque estas atividades caíram em desuso? Seria a tecnologia e o excesso de informação a causa da morte prematura das atividades de formação cultural nas pequenas cidades? O que poderíamos fazer para reverter esta situação? 
Muitas das nossas perguntas sempre permanecerão sem respostas, porém, são estas que nos levam adiante, são as indagações que nos induzem a crescer pessoalmente.
Desta maneira coloco a seguinte questão: será o ambiente empobrecido que conforma seus habitantes, ou será a superficialidade dos indivíduos que produz um ambiente tão pobre? Deixemos de ser alienados. Foram os indivíduos que criaram esta realidade, que moldaram o espaço, que desenvolveram e se utilizaram de suas atividades. Entretanto, também fomos nós, não individualmente e sim como coletividade, que desenvolvemos esta cultura da superficialidade, banalidade e futilidade. Estas características (intrínsecas à nossa sociedade hoje) se enraizaram no espaço urbano e são fruto direto das atividades, individuais e coletivas, que foram moldando as relações sociais e, indiretamente, os usos e as atividades que compõe o espaço da cidade.
Evidentemente somos todos responsáveis pela cidade que criamos e recriamos diariamente. Estamos conseguindo desenvolver um ambiente empobrecido, frequentando sempre os mesmos lugares, encontrando sempre as mesmas pessoas com as mesmas ideias baratas e desta maneira, moldando um espaço tão pouco atraente quanto as nossas próprias convicções. Apesar de tudo, somos nós que devemos buscar uma mudança de comportamento e consequentemente em construir uma cidade mais rica social e culturalmente. 

domingo, 6 de maio de 2012

Da infinita atividade de tentar ser arquiteto



Alguns dias ficamos um bom tempo observando o papel em branco sem saber o que escrever, hoje é um dia destes. Como se não tivéramos nenhum pensamento que vale a pena ser descrito, embora essa suposição seja completamente desmedida. Certamente o que faço aqui é descrever algo que passa ligeiramente pelo campo das ideias sem mesmo ter tido tempo de tornar-se um pensamento sólido, seja o que for. Muitas vezes não se tem nada a dizer, somente preencher aquela folha em branco que quanto mais branca, mais pesada se comporta sobre a mesa e mais pesadamente atinge minha alma. Preenchê-la é esvaziar-me. Como se cada palavra tivera um peso e ao fim sente-se mais leve, e por mais inútil que isso possa parecer, causa um terrível bem estar e permite um descanso merecido. 

É nessa batalha de preencher e esvaziar sem vontade de conceber algo coerente que muitas vezes paro para refletir. Assim lembro-me de vezes em que se tem tanto para fazer mais não se tem vontade de fazer absolutamente nada. Por mais semelhante que possa parecer, não tem nada a ver com preguiça. É de certa forma complexa. Por mais que queiras fazê-lo, é difícil iniciar, pois pensas em tudo e não podes concentrar-se em absolutamente nada e ao cabo esperas por decidir-se em que coisa fazer. A única solução torna-se a espera do momento último, da tensão entre prazo e realização da tal atividade.

Acredito que esta é a vida de um estudante de arquitetura, ao menos aqueles que ainda mantem vivo algum tipo de reflexão crítica em relação a seu percurso dentro do curso de graduação. É um tal de desejar tudo e não fazer nada. Deve-se tentar fazer uma coisa de cada vez ou seria melhor fazer tudo ao mesmo tempo, depende de cada indivíduo e de cada situação. É que em nossa prática acadêmica e quiçá profissional, algo só chega ao final quando justamente se esgota o tempo para este, ou seja, não se conclui algo sem que ainda exista tempo hábil para seguir seu desenvolvimento.

Acredito que existe a necessidade de enganar-se a si mesmo para obter os melhores resultados. As coisas estão sempre em processo, pois o processo é justamente o ponto mais importante do objeto, pois, reflete em como as coisas estão feitas em sua própria materialidade, temporalidade, espacialidade, complexidade e todas estas coisas. Tudo sempre evolui, se transforma, se aprimora. Entretanto se deve saber a hora de encerrar, de concluir algo ou de finalizar a si próprio quando já não possas mais acompanhar o ritmo frenético da contemporaneidade. E ainda me aflige o acercar-se a mim deste dia.



Vinicius Libardoni

domingo, 22 de abril de 2012

a primeira vez


Por Vinicius Libardoni

Uma mistura de espanto e admiração são as experiências sensíveis que experimentei no primeiro contato com a maior metrópole brasileira. Um jovem de 16 anos, oriundo de uma pequena cidade no interior remoto do país, entra em um ônibus urbano na Av. Marginal Tietê rumo ao centro. Percorri a Avenida Rio Branco, desci do ônibus no Largo Paiçandú acompanhado de um guia inexperiente, um amigo alemão da Westphalia que havia visitado a cidade uma única vez. Os primeiros passos inseguros e os olhos atentos a tudo me guiavam pela cidade. Passando pelo Teatro Municipal, pelo Viaduto do Chá e o Vale do Anhangabaú, a Praça São Bento, o Pátio do Colégio, da Praça da Sé até a Liberdade. Tudo parecia novo e estranho, desde a miséria daqueles homens do Largo Paiçandú as prostitutas aguardando seus clientes na Avenida da Liberdade. Horas eternas passando do espanto à admiração. A percepção de uma paisagem sublime, que causa espanto mais por sua originalidade que por sua realidade. Um estranhamento completo, a mais pura sensação de liberdade. Esta foi a minha primeira experiência naquela cidade que passei a admirar profundamente.

O sublime considera aspectos extraordinários e grandiosos do espaço, considera um ambiente hostil e misterioso, desenvolve no indivíduo uma sensação de estranhamento, espanto e admiração. É o desconhecido, o que não nos é familiar. Normalmente não aceitamos de imediato àquilo que é distinto, é difícil compreender aquilo que é estranho, diferente. Gostamos daquilo que é de fácil aprendizagem, o que nos dá segurança. É aquilo que se relaciona, mesmo que inconscientemente, com as cosias do passado e permite construir relações dialéticas com nossa experiência prévia. É um fenômeno que Tony Díaz define como ressonância temporal, para ele, o grau de satisfação está determinado por estas idas e vindas à memória, pela possibilidade de que se desenvolvam estas viagens para o passado e para o presente. “Quando gostamos das cosias, é porque se atravessa felizmente pela experiência da ressonância temporal; quando não gostamos, é porque a ressonância temporal não existe ou está mal articulada” (Díaz, 2008).

Seguramente, a percepção daquela experiência, ligada diretamente com a sensação de estranhamento, causou curiosidade. Um anseio por compreender aquela realidade.

Agora, anos mais tarde, paro para refletir o porque deste desejo por apreender as formas, o espaço e a complexidade da paisagem urbana produzida anonimamente pelo coletivo de interesses que construíram a cidade de São Paulo. Este texto é uma tentativa de explicar um anseio por compreender um espaço que me causa imenso entusiasmo com a finalidade de construir uma linguagem própria para a interpretação da cidade convertendo-a em conhecimento.


Díaz, T. (2008). La ressonancia temporal en la arquitectura. Summa + 97, 34-43.

domingo, 15 de abril de 2012

Yasujiro Ozu, longboard y una nostalgia que me mata

Por Samuel R. Rocha e Vinicius Libardoni



Yasujiro Ozu, japonês nascido aos 12 de dezembro de 1903, foi um dos maiores cineastas e roteiristas que o século XX pôde produzir. Infelizmente, toda e qualquer forma de manifestação cultural vinda do oriente (e não só isso), tem ainda hoje tão limitada repercussão em nosso mundinho americanizado. Não é diferente no campo do cinema, longe disso. Nossa cultura cinéfila é monstruosamente hollywoodiana.

E o que tudo isso tem a ver com um título tão incrédulo que congrega Ozu, longboard e a tal nostalgia que me assalta cotidianamente?

Aprendi, com um velho amigo, a ver relatividade em tudo. Embora isso também possa ser relativo, acredito na fantasia que é permitir-se narrar estranhas similaridades que nos ocorrem. Aliás, como descreveu Ângelo Bucci em seu livro “Da dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes” referindo-se à Poética do espaço de Bachelard:

“As lembranças que temos das experiências vividas têm um limite: o esboço da fala. Antes dela a memória, como a língua, apenas balbucia. Isso quer dizer que a memória, para ser constituída, precisa ser descrita. Então, é na narrativa dos fatos que a nossa experiência ganha significado e permanência. Daí o valor das conversas, das histórias contadas, para as atividades que recorrem à memória, às associações e à imaginação, ou daí o valor da tradição oral para as atividades propriamente humanas.” 

Falando de associacionismos que nos ocorrem, individualmente perceptíveis a partir das experiências prévias vividas. Discorrendo da necessidade da descrição dos fatos como construção da memória no espaço tão bem esclarecida por Foucault em seu livro As palavras e as coisas. E, de fato, tocando o tema do espaço e sua representação, nada melhor que incluir cinema. A arte que de melhor forma descreve a arquitetura e a cidade, ou seja, o espaço. 


Foi assistindo um vídeo chamado MADRID LONGBOARD que Yasujiro Ozu pareceu renascer, pelo menos pra mim. Descrito com o "maisjaponês dos realizadores de cinema", teve uma tardia e dura passagem do cinema mudo para o sonoro, e mais tarde, em aceitar as cores como intensificador da expressividade na grande tela. Excêntrico e perfeccionista, tudo é compreensível quando se assiste a algum filme do diretor nipônico. Já em seu cinema sonoro, como em “Filho único” (1936), percebe-se o controle dos intervalos sonoros como ferramenta de comunicação, com Ozu o cinema sonoro ainda fala, em silêncio.

Além disso, destacado por todos os críticos da obra de Yasujiro Ozu, o seu estilo de plano é completamente distinto. Filmado pelo operador de câmera de cócoras, tenuamente instigante para nós, ocidentais, a mim, este fato parece aproximar a obra de Ozu com aquelas câmeras que percorrem a cidade na carona de um longboarder. De nenhuma maneira pretendo diminuir (por que verdadeiramente desconheço todos os fatores que constituem a forma singular de rodagem de Ozu), ou desvalorizar a sua obra, como tampouco posso fazer comparações.

Ambas situações são incomparáveis e este não é o foco desta exposição. O que se trata é uma espécie de Resonacia temporal[1] entre uma forma de descrever a cidade e a obra de um grande cineasta. O vídeo, anteriormente já citado, pretende, a meu ver, descrever de forma poética a maneira de utilizar o esporte como apropriação do espaço da cidade. E o que enxengo, é uma maneira única de descrever a cidade. Ao trazer a câmera ao nível de Ozu, agora em movimento e em um plano sequencia larguíssimo, muito distinto da forma de plano e contra plano fixo-frontal de Ozu, se cria uma maneira ímpar de representar o espaço-tempo da cidade. Uma maneira única de compreender um espaço que tive a felicidade de percorrer diariamente. 



É ai que entra a nostalgia neste bonde. Somado a todo este discurso desconexo, é esta cidade belamente representada neste vídeo que tanto me emociona. A paisagem, as cores, texturas, o deslizar por suas calçadas contínuas e infinitas, pelo relevo cume na Gran Vía que se escorre para a Plaza del Sol ou sentido a Puerta de Alcalá, a praça de Callao, e tantos edifícios belos e presentes no espaço da cidade. Madrid tem um tal de deixar-se levar, um derivar infinito que promove a criatividade e inventividade dos seus habitantes. Isso é evidente seja qual for a maneira de descrever seu espaço, seja em palavras, fotografias, música ou sob um passeio de longboard relembrando Yasujiro Ozu nos filmes em cartas da Gran Vía.




[1] La resonancia temporal en la arquitectura, (pg.34-43). Tony Díaz, Summa+ 97, Noviembre 2008.

sábado, 24 de março de 2012

o centro de São Paulo e os Jardins de Tântalo


“O consumo é superficial, portanto torna as massas infantis; o rock é violento, não verbal, portanto põe fim a razão; as indústrias culturais são estereotipadas, portanto a televisão embota os indivíduos e fabrica moluscos descerebrados. O feeling e o zapping esvaziam as cabeças; o mal de qualquer modo é o superficial, sem que se chegue a desconfiar nem por um segundo que efeitos individuais e sociais contrários às aparências, possam ser a verdade histórica da era da sedução generalizada.”

Gilles Lipovetsky em Império do efêmero. 



João Braga e Vinicis Libardoni 

De caráter extremamente superficial, a maioria dos seres humanos sente necessidade de oferecer uma explicação para todas as coisas. Neste processo, produzem, evidentemente, as coisas de maneira coletiva, social. Projetam-nas para fora de si e, pouco a pouco esquecem de que foram criadores desses seres, passando a acreditar no inverso. Ou seja, não se reconhecem nesse Outro. Em latim, “outro” se diz: alienus. Feuerbach chamou esse fato de “alienação”.

Feuerbach foi um filósofo alemão que, abandonou os estudos de teologia para se tornar aluno de Hegel em Berlim. Posteriormente afirmou que Hegel descrevia o homem de ponta-cabeça e que teríamos que entendê-lo de cabeça pra baixo. Enfim.

Parece que tudo está virado do avesso mesmo. Veremos a seguir como essa afirmação é evidente.

Porque toda esta história de alienação veio parar aqui, onde se procura discutir sobre a situação das áreas centrais da cidade de São Paulo? O que mais me instiga é que a população desta cidade, e do Brasil todo, vive naufragada num mar de alienação social. Estão completamente alienados dos problemas, reais, presentes nas nossas cidades. A tecnologia, a rotina massiva (de ocupação ou desocupação – tanto uma quanto a outra resultam em uma “ocupação” intensa do indivíduo) ou somente a inércia que controla a massa brasileira são uns dos fatores de alienação. Sentem preguiça de fazer algo só de penar em fazê-lo. Onde já se viu fazer uma manifestação na rua? - Isso é coisa de desocupado (pensam os ocupados!)

Somente através deste limbo moroso que impregna nossa crescente população economicamente ativa, podemos compreender porque a ideologia é tão importante para manter a perversa máquina estatal e seu rebanho burguês. Este discurso ideológico, que todos (quase todos) somos reféns, é promovido pela mídia de caráter superficial que, causa um imenso processo erosivo na mente dos nossos cidadãos. “A sedução distrativa da mídia só pode sujeitar a razão, enviscar e desestruturar o espírito”.

Chega de tanta enrolação, e vamos ao que interessa. Esta discussão (isto tudo realmente tinha como finalidade gerar uma discussão, enfim, torna-se quase um monólogo), apareceu quando das leituras sobre o centro de São Paulo. A imagem ideologicamente construída e predominante atualmente define este espaço nobre da cidade como, decadente, degradado e desocupado.

A denominação de determinadas áreas como “cracolândia” é o fim da picada! Então vamos generalizar tudo e enfiar no mesmo saco: no rio de janeiro tudo é favela, em Nova York só existem arranha-céus, e na Cidade do México, quando você pede se alguém tem fogo, você é metralhado no mesmo instante. Cracolândia é o c@$%&¿*!!!

E depois de vender esse discurso ideológico podre para toda a população, acredita que este discurso pode legitimar suas ações de “revitalização”. Revitalização significa “re-vitalizar”, ou seja, dar vida novamente. Dar vida novamente? O centro de São Paulo é um dos lugares mais “vivos” da cidade! Local de trabalho de milhões de habitantes! A densidade do centro durante o meio dia é 400% maior que a meia noite! O que precisa ser feito, aliás, o sucesso de qualquer plano de revitalização de áreas centrais demanda um programa habitacional, um programa habitacional para a população de baixa renda.

A burguesia iniciou sua evasão para o seu “centro novo” no corredor sudoeste e passou a chamar o centro da cidade de “centro velho”. Flávio Villaça afirma que as classes dominantes abandonaram o centro da cidade “alegando que estava se deteriorando, quando na verdade essa “deterioração” é efeito e não causa do abandono. A burguesia diz que os centros de nossas cidades estão decadentes quando na verdade, para as classes dominadas, eles estão em ascensão, não em decadência”.

A ocupação do centro pelas massas, que colaborou com a ideia de “decadência”, é a sua maior riqueza. Essa diversidade, multiplicidade e acessibilidade absoluta promovem a ideia de ascensão para as massas, para as quais o centro nunca deixou de ser o centro. É lá que está a maior oferta de empregos para esta população (7,5 empregos/habitante). É no centro que se localizam suas lojas, seus cinemas, seus profissionais liberais. E não acreditem que eles pagam barato ou que moram de graça para estarem lá. Pagam para morar no centro, e pagam caro. Pagam caro e vivem em situações desumanas, encortiçados em espaços insalubres e pagando uma fortuna! Percentualmente mais caro que em bairros como Pinheiros e Vila Madalena (por metro quadrado). Eles estão ali porque precisam, e mais, porque amam aquele lugar.

Para a população de baixa renda a diversidade social é ótima, por isso gostam tanto do centro. Dizem que Habitação de Interesse Social – HIS “desvaloriza” um edifício ou uma região para a classe média e média alta. Eu bem que gostaria de ouvir alguém falando isso pessoalmente, eu até espero que isso aconteça em um dia que esteja bem inspirado. Fabuloso! Se “desvaloriza” melhor ainda! Espero que o poder público perceba nisso uma verdadeira oportunidade de promover intensamente HIS no centro, pois assim os mecanismos de especulação, para a promoção de Habitação para outras faixas de renda, possa ser minimante controlado.

O centro é espaço de convívio, de diversidade social, de possibilidades e multiplicidade, quem quiser se isolar é que se mande pra china ou para os jardins de Tântalo, não no centro de São Paulo. Não podemos desperdiçar um espaço dotado de infraestrutura, serviços e equipamentos, um espaço que é da massa por direito, e agora é dever do Estado viabilizar isso, seja através de instrumentos legais, políticas públicas, formação técnica e profissional, fomentando empresas mistas especializadas ou até através de ideologia, seja como for, o centro é de todos!

LUZ, por Left Hand Rotation. Link original: http://vimeo.com/32513151

quarta-feira, 7 de março de 2012

The Blues Brothers, um verdadeiro musical


Por David João Maia e Samuel R. Rocha

No dia cinco de março de mil novecentos e oitenta e dois, John Adam Belushi, como se diz por ai, “foi dessa para uma melhor”. Então com trinta e três anos, assim como jesus cristo, o célebre comediante do Saturday Night Live (John e não Jesus) meteu-se uma speedball na veia. O barbudo ali também sofreu com objetos pontiagudos, os remotos pregos e coroas de espinhos da modernidade são a cocaína e heroína misturadas no tal da “bola veloz”.

Belushi deixou este mundo, e o quarto do Chateau que alugava em Los Angeles, depois de injetar aquela bomba. Posteriormente, descobriu-se que a dose cavalar não tinha sido “acidentalmente” administrada. Cathy Smith, uma groupie safada (perdoem-me o pleonasmo, mais cabe aqui para intensificar o adjetivo), foi condenada pelas “bolas velozes” que arrebentaram nosso fantástico Jake Blues.

A “doidona”, mais tarde acabou declarando: “I killed John Belushi. I didn’t mean to, but I am responsible”. Conheceu John através dos Stones, acostumada a tratar com gente grande, Ron Wood e Keith Richards, Belushi, que não era um viciado em heroína, droga a qual, pouco usava antes do terrível acidente, se tornou uma espécie de Mia Wallace (Pulp Fiction) nas mãos da viciada salafrária. Entretanto, o “bunda mole” (Robin Willians) que estavam na cena do crime, não dispunha de uma bela injeção de adrenalina para cravar-lhe no meio do peito e o caráter da própria Cathy Smith pouco se assemelha ao admirável Vincent Vega, interpretado por outro John, o Travolta.

Dizem que até Robert de Niro havia comparecido no apê de Belushi naquela noite, estaria ele procurando por um Chateau? (I’m looking for a Chateau, 21 rooms but one will do). Uma coincidência plausível, como a de jesus cristo, além de que de Niro e Belushi tivessem se encontrado naquele maldito Chateau naquela noite, algo na carreira dos dois é que me emociona.

No fatídico ano de mil novecentos e oitenta, enquanto Robert rodava cenas de “Raging Bull” de Martin Scorsese, John gravava o musical “The Blues Brothers”. Tal comentário se deve ao fato de que, estes dois filmes são uns de meus favoritos, cada um no seu estilo. Robert de Niro se saiu melhor no Touro Enraivecido ganhando o seu único Oscar como melhor ator e também se saiu melhor naquela noite, saiu vivinho da silva daquela porcaria de Chateau amaldiçoado.

The Blues Brothers apareceram por primeira vez no dia 22 de abril de 1978 como convidadosl no programa Saturday Night Live. Tudo deveria parar por ai, porém, quanto mais as músicas tocavam na rádio, mais crescia a vontade de ir adiante e de gravar um álbum da banda. Briefcase Full of Blues foi lançado no mesmo ano de mil novecentos e setenta e oito. Um sucesso total nas paradas, chegou ao número um no Bilboard 200 e não se ouvia nada mais que “Rubber Biscuit” (Charles Johnson e Adam R. Levy) e “Soul Man” (Isaac Hayes e David Porter).

O filme “The Blues Brothers” feio para coroar o feito de Jake e Elwood Blues (John Belushi e Dan Aykroyd). Dirigido por John Landis, que também foi o roteirista em conjunto com Dan, The Blues Brothers é um dos melhores musicais jamais produzidos de R&B. Além dos Blues Brothers o filme trás uma série de grandes músicos, verdadeiras lendas do jazz, funk, blues e rock n’roll. Uma comédia permeada por verdadeiros números musicais a la Chicago.

James Brown, o rei do funk, faz uma participação pra lá de cômica e empolgante como “Reverendo Cleophus” na igreja “triple rock” repleta de negros pra lá de animados.

John Lee Hoocker aparece interpretando a si mesmo, cantando uma de suas melhores composições (boom boom), no mesmo ano que foi induzido ao “Blues Hall of Fame”(1980), então com 63 anos. Com seu blues leve e penetrante aparece em meio à multidão, em um subúrbio de Chicago que mais se parece com a vinte e cinco de março de São Paulo.

Aretha Franklin comparece em uma das cenas mais cômicas do filme, quando no seu estabelecimento com o sugestivo nome de “soul food café”, Jake e Elwood fazem seus respectivos pedidos de Blues Brothers: “Some toasted white bread, dry” (para Elwood) e “Four fried chickens and a coke” (para Jake). Aretha interpreta estupidamente bem e canta melhor ainda a musica “Think” (You better think (think)).

Ray Charles é sem dúvida o ponto alto dentro do The Blues Brothes, exatamente no meio do filme, é o cume do próprio musical. Divertido e transpirando musica, Ray trabalha em uma loja de equipamentos musicais usados, onde os Blues Brothers pretendem adquirir seus badulaques. Uma verdadeira performance musical, Ray Charles compartilha com os Blues Brothers o verdadeiro estopim do hit “Shake a Tail Feather” já tocada antes pelo grupo “The Five Du-Tones” e também por “James e Bobby Purify” quando chegou ao número 25 das paradas. A essência da musica dos Dancing Days, na versão de Ray com os Blues Brothers são incluídas as danças: the twist, the monkey, the frug e the mashed potato performance emblemática de Jake e Elwood e também do grupo Crew tomando toda a rua em uma cena que ficou gravada na memória de todos que assistiram ao musical.

Posteriormente um bando de jovens loiros, os Hansons, gravaram um verdadeiro pastiche do hit Shake a Tail Feather” com a sua Thinking ‘bout Somethin’, com o mesmo cenário o antigo Ray’s Music Exchange (agora Tay’s Music Exchange). Todo e qualquer sucesso de tal performance, se deve a toda originalidade presente no filme The Blues Brothers, ainda assim, me parece uma homenagem de relativo apreço por parte dos branquelos.

Cab Calloway faz uma de suas melhores performances já filmadas no show que deveria ser a abertura ao grande show do Blues Brothers no filme. Tornou-se um musical cheio de vigor e de um swing jazzístico fora de serie. Iniciando com a sua Minnie the Moocher, primeiramente gravada quase cinquenta anos antes, em 1931 por ele mesmo e sua orquestra, configurando um dos grandes sucessos do Jazz americano e vendendo mais de um milhão de cópias. Parece que não havia se passado nem um minuto desde seu sucesso prematuro, quando o auditório inteiro canta em coro junto com Cab Calloway e aplaude de pé, mais do que uma cena de um filme musical, foi, a meu ver, uma verdadeira emoção que a plateia vivenciou naquele dia. Seria normal que depois de um verdadeiro show a plateia não tivesse qualquer reação perante os Blues Brothers.

Entretanto, cantando “Everybody needs somebody to love” (I need you, you, you…) o auditório se levanta. Um hit impossível, de carregado qualquer um (everybody) com a música. The Blues Brothers são comédia, emotividade, empolgação, ritmo e pulso, enfim, são “blues brothers”. Como é a segunda música do show “Sweet home Chicago” composta pela lenda “Robert Johnson”. A essência do blues naquele filme: simplicidade, a lenda: Robert Johnson, a cidade: Chicago e The Blues Brothers.

Finalmente, para encerrar o grande musical não poderia faltar o rei do rock. Jailhouse Rock, música e filme de Elvis Presley de 1957. Encenada no estilo Johnny Cash, a galera do xilindró faz uma verdadeira festa como no Carandiru de Rita Cadilac. The Blues Brothers é, sem dúvida, um dos melhores musicais já produzidos pela grande tela. Merece e vale a pena ser visto e revisto.

É de uma dupla personalidade, como o show de Cab Calloway, onde o figurino é somente imaginação ou toda aquela interpretação de Curtis é fruto da ficção do cinema? Os interpretes, vivenciando verdadeiras lendas da música americana do século XX e pessoas normais paralelamente, transformam as cenas em uma espécie de miragem musical, uma linha tênue separa o sonho da realidade, talvez isso é o que transfere a película tanta emotividade e pulsação.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

uns versos





“Estava à toa na vida 

O meu amor me chamou 

Pra ver a banda passar 

Cantando coisas de amor” 



Frequentava a pré-escola no longínquo ano que nem me lembro de quando. Sempre fui tímido. Se virar sozinho era uma lei lá em casa. Mais nem sempre isso era possível para um garoto de seis anos. A tia da escola recomendou que trouxéssemos um par de versos de casa, pra sei lá o que fazer naquele dia primaveril e ensolarado. Mal sabíamos falar corretamente e a dona nos solicita encontrar versos, eu ia saber lá o que isso significava.

Quando não se poderiam resolver as coisas facilmente, ou arduamente, me colocava a chorar, timidamente baixo, e assim se configurava a lamentação mais dolorosa, porque todos sabiam que algo muito profundo poderia estar acontecendo, mamãe se tornava uma pessoa fantástica que ajudava a combater nossos males mais controversos. Entretanto, naquele dia, não eram conflitos existenciais que me perturbavam, somente não encontrava versos em lugar algum. Pouquíssimas vezes pedi ajuda para meus genitores nas tarefas de casa, mais aquela não era uma tarefa fácil.

É horrível quando uma criança se desespera na tentativa de decodificar uma mensagem muito complexa e um adulto, com um olhar atônito, acha um absurdo. Era uma enorme aberração a, que me fora imbuída, de encontrar versos. Não parecia tão complexo para meu pai. Ainda escorriam lagrimas silenciosas pelos meu rosto quando, decidido, meu velho me levou defronte a vitrola da casa. Vasculhou cuidadosamente entre os compartimentos que separavam seus discos. Na verdade eu nunca entendia porque daquela segregação, eram todos discos, eles deveriam estar todos juntos, sem dúvida.

Em meio aquela organização hierarquizada por sei lá o quê, saltou um disco de capa rubra, junto com o mestre, aprendi o que significavam versos e onde encontra-los, observando atentamente ele ditando enquanto acompanhava com o dedo indicador as linhas escritas, para a professora, os tais “versos”.

De toda esta história lembrava-me vagamente, uma memória já bastante sutil. E como é bom reencontrar-se com lembranças tão belas e então, delineá-las no papel. Fixando efemeramente no físico e permanentemente na memória mais sólida hoje que naquele tempo tão distante.

Versos, versos, versos eu repetia na memória, naquela época era como falar sem os outros ouvirem. “Então aqui estão os versos!” - pensei comigo mesmo. Era como achar um tesouro perdido, encontrar um amor, o primeiro amor. Aqueles eram versos para meu velho, aquilo eram versos para seu filho. As lagrimas deram lugar a um brilho estonteante, um sorriso enorme se contorcia na tarefa de copiar aqueles versos no caderno. A caligrafia deve dizer muito sobre cada indivíduo, aquela que sempre me acompanhou, é esforçada, controlada, mais é, por natureza, irregular, natural, espontânea, naquele dia, ela representava a essência do meu ser, não tenho dúvidas.

Ainda quando copiava, o “tum” que fazia o amplificador quando era ligado retumbou pela casa. A marchinha começou e um filme passava na minha imaginação, a rua, a banda, os personagens, tudo era imagem, tudo era psicologicamente representado na minha cachola. Que construção maravilhosa, que aprendizado inigualável, que infância gostosa, a melhor tarefa de casa que pude realizar.

Toda esta história é romântica, feminina e lírica, como “A banda”. É imaginada e real. Uma lembrança que se acendeu enquanto lia as páginas de “Noites Tropicais” de Nelson Motta. Que descreve apaixonadamente aquele Festival da Música Brasileira da Record no ano de 1966. Travava-se um duelo entre “música brasileira” e “música jovem”. Duas músicas sagraram-se campeãs por empate técnico, que muito mais tinha de empate social. Esta de Chico Buarque, e Disparada de Theo e Vandré, como descreve Nelson Motta: “a primeira uma marchinha lírica, na melhor tradição brasileira, feita de delicadeza e desencanto, sobre a magia de uma música que passa pela rua e sua alegria fugaz, a outra uma moda de viola estilizada, com uma letra de ritmo e sonoridade vibrantes, metaforizando as lutas de um boiadeiro conta o dono da boiada”.

Que dias belos se viviam quando se discutia música brasileira pelas ruas em todo o país, como se fosse futebol. Um dia que a paixão nacional era outra, um dia que aprendi o significado de um verso.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

o cinema que desconhecemos

Não devemos mais ver estes filmes que já não dão lugar a nenhuma classe de crítica porque, de certo modo, se destroem a si mesmos desde dentro[1].

Jean-Luc Godard, Nicholas Ray, Samuel Fuller. Estes poderiam ser homens comuns, ou incomuns, depende da sua índole, humilde leitor. Seriam simplesmente nomes abstratos. Desvinculados de qualquer figura conhecida.  Para seus ouvidos atentos e vossa cultura superficial são apenas palavras, ou melhor, letras conectadas ao acaso que, fornecem um fonema estrangeiro com certa coerência fonética. Nada mais.
Pois bem. Ditos fonemas são, de fato, grandes nomes do cinema mundial. Com toda a clareza que me cabe, a partir do meu humilde conhecimento adquirido recentemente estudando a historia do cinema, posso afirmar com veemência que ditos nomes, não passariam despercebidos pelos curiosos olhos dos apaixonados pela cultura do cinema que, um dia folhavam atentamente as primeiras edições daqueles estupendos periódicos publicados com o nome de Cahiers du Cinéma.
Imagem do filme Pierrot le fou, 1965 de Jen-Luc Godart.
Tenho lástima daqueles que se julgam conhecedores do tema, e que passam horas discutindo o último filme exibido nas salas de shoppings centers.  Aqui posso, ligeiramente, ressaltar duas questões. A primeira, a respeito de tais “salas de cinema”. Estas, já não são portadoras do encanto das salas outras, aquelas quais, previamente permeavam e ambientavam as ruas de nossas cidades. Logo, o ato de “ir ao cinema” desapareceu, e com isso, grande parte da nossa cultura urbana da grande tela. A segunda, me referindo aos entendedores de cinema, segundo é claro, por eles mesmos. Um pouco de humildade os cairia à perfeição. Antes de julgar, do auto de toda sua sabedoria, ao ultimo filme de Allen, Tarantino ou Malick, deveriam, antes de qualquer pensamento crítico (tenho até ressentimento de utilizar a palavra “crítica” neste contexto tão pobre), poderiam assistir a Pierrot le Fou, e acatar o sutil significado da frase de Pierrot: assista Johnny Guitar, é instrutivo. Tal, excelente filme, já deverá tomar sua atenção por pelo menos, um considerável tempo.
Cena de Johnny Guitar, 1954 de Nicholas Ray.
Johnny Guitar é uma obra prima do cinema americano da primeira metade do século XX. Como escreveu Jean Wagner em seu livro sobre o diretor Nicholas Ray[2], “Se um cineasta merece ser chamado de ‘autor’, este é Nicholas Ray. Sobre o filme anteriormente citado ele coloca “Se olharmos com detrimento, o filme não está bem construído, mais funciona de um modo admirável. Tudo se encaixa como em uma maquinaria bem engraixada, enquanto que a mise en scène é todo o contrário, cheia de interrupções e mudanças de ritmo, mais sem nenhuma sequencia inútil, sem nenhuma sequencia oca. O Filme 'manca' e este é seu primeiro encanto. Sabe tirar partido da sua própria imperfeição.”
A influência desta obra maestra no cinema que se desenvolveu a partir de então, é inegável. Nicholas Ray é um dos grandes, um monstro do cinema. Jean-Luc foi um dos responsáveis, naquele movimento contestatário que ficou conhecido como Nouvelle Vague, por resgatar aos grandes nomes do cinema americano da primeira metade do século XX, seja através de seus filmes ou de sua participação crítica nos Cahiers du Cinéma. Há um documentário maravilhoso chamado “Le Dinosaure et le bébé”, na verdade um episódio do programa “Cinéastes de notre temps” onde o jovem cineasta francês passa horas conversando com Fritz Lang, o qual, aparece em seu filme Le Mepris, interpretando a si mesmo, um velho diretor americano em decadência, embora a visão de Godard sobre o maestro alemão fosse muito diferente disso, pois como aparece no documentário acima citado,  Jean-Luc aprendeu muito sobre a mise en scène com seu admirado diretor. Como se não bastasse a sutil referência a partir de Godard, podemos citar várias outras apropriações de outros grandes filmes e/ou diretores, entretanto, nos contentemos com o grandíssimo Johnny Guitar.
Johnny Guitar contém uma declaração de amor das mais belas da história do cinema, “onde convive a expressão do desespero, a materialidade do tempo que passa e o amor de um homem por uma mulher” (WAGNER, Jean. 1994). Este admirável diálogo foi retomado por Jean-Luc Godard no filme Le petit Soldat e também por André Téchiné em Barocco.
Pedro Almodóvar, diretor que admiro escandalosamente, se apropria desta  cena, uma das mais emblemáticas da filmografia de Ray em seu filme Mujeres al borde de um ataque de nervios (1988), seu segundo filme produzido pela companhia El Deseo, fundada anos antes em conjunto com seu irmão Agustín, fato tal que permitiu uma primeira onda de reconhecimento internacional de sua obra, mais evidentemente na França.
Cena do filme Mujeres al Borde de un ataque de nervios, 1988 de Pedro Almodóvar.
As referências arquitetônicas que Ray, profundo conhecedor da obra de Frank Lloyd Wright, utiliza em Johnny Guitar são evidentes e compostas de modo magistral. As cores, texturas, e o caráter dos espaços que aparecem neste filme devem saltar aos olhos mais atentos e admitir críticas fantásticas daqueles que estudam profundamente grandes obras do cinema mundial. Vale ressaltar, se não me falha a memória, que o diretor esteve estudando em Taliesin West e coincidiu com Wright com o qual “trocava figurinhas” cotidianamente. A partir de então sempre exaltou a arquitetura, sobre a qual dizia: “a arquitetura é a espinha dorsal de todas as artes”. Com tudo isso, podemos entender a relação que está exposta sempre em sua filmografia a respeito do espaço retratado. Ray organiza a mise em scène a partir da decoração, da montagem do entorno, a disposição das coisas e suas cores e texturas. Ele próprio dizia: “a minha visão de mundo é a de um arquiteto”.
Concluindo, não deveria deixar de sugerir algo. Pois já que falamos de Godard, aquele que resgatou muitos dos mitos do cinema americano a partir da segunda metade do século XX, escute atentamente as palavras que Samuel Fuller, resgatado e exaltado na obra do diretor francês (Pierrot le Fou, 1965), quando o mesmo responde a pergunta: qual o significado exato de cinema? Ele logo diz, “The film is like a battleground, is love, hate, action, violence and death, in one word, emotion”.

Pierrot (esquerda) e Samuel Fuller (direita) em Pierrot le fou, 1965.
 Mais do que isso, só abrindo os seus olhos.



[1] Jean Baudrillard, La ilusión cinematográfica perdida, tradução livre do livro El complot del arte. Buenos Aires, Amorrotu, 2007.
[2] Jean Wagner, Nicholas Ray. Editions Rivages ; Ediciones Cátedra, S.A., 1994, Madrid.

domingo, 15 de janeiro de 2012

peitos explosivos, protótipos insufladores de ego

Jane Mansfiled exibe seus atributos ao lado de Sophia Loren; Publicidade "A pasta russa".

A Anvisa abre processos contra as empresas importadoras de próteses de silicone fabricados na França pela empresa Poly Implant Prothèse - PIP, e o governo brasileiro anuncia que todas as mulheres que turbinaram seus peitos com esta arma explosiva podem substitui-los por outros menos perigosos - mais não menos provocativos. 
Desde que começaram a ser detectados casos de ruptura dos implantes, todos os países, inclusive o Brasil começou a aplicar medidas para tentar controlar estas “bombas-relógios” disfarçadas de saco de silicone que estão cuidadosamente aplicadas em milhares de peitos avantajados que desfilam por nossas praias neste verão. Seria um caos se todas aquelas belas silhuetas andassem explodindo, ainda mais nos momentos impróprios para isso – justo quando são realmente colocadas a prova. 

Segundo matéria publicada no jornal El País, “...as ultimas informações sobre as próteses são que os implantes conteriam um aditivo de carburantes, que também empregam-se na construção de matérias de navios e em componentes eletrônicos”. O que significa que, através da aquisição destes novos peitos, houve uma transmutação do peito avantajado do século XX para uma espécie de parafernália eletrônica do século XXI além de objeto de consumo. 

Em números informados pelo periódico espanhol, no mundo poderiam existir mais de 500.000 mulheres portadoras dos seios PIP. Meio milhão de aterradoras tetas explosivas. Em nosso país, a partir da ultima década, este acessório passou a ser visto como mais uma peça no vestuário felino. Mamãe, mamãe, eu quero por um daquele ali, diz uma mocinha de quatorze anos assistindo a última novela das nove. Enquanto a economia brasileira foi se fortalecendo e o poder aquisitivo da população foi aumentando estratosfericamente, mais próteses foram sendo instaladas inflacionando o padrão, até então tão categórico, da mulher brasileira. 

E agora o risco aumenta, pois com a economia aquecida, embora isso não se deva a quantidade de seios "ciborgues" presentes no mercado de trabalho, muitas portadoras destes protótipos insufladores de ego estão viajando por ai. Poderia ter um aspecto positivo, que elas possam estourar seus peitos bem longe dos nossos olhos, porém, o assunto é realmente delicado, diz-se por ai que uma dezena de mulheres estão estourando durante voos comerciais. Macaco Simão precisa, com urgência, saber disso. 

Mais no país da piada pronta, tudo é maravilha, lábios, peitos, bundas, tudo e todos tem o direito de dar uma incrementada no visual segundo uma pequena incrementada no orçamento. Entretanto, em breve isso tudo pode estourar, a economia, o crescimento e essa sensação de oba-oba. A inflação sobe e as tetas estouram. Já é algum sinal e não é bem, digamos, positivo. Tomemos cuidado com toda esta onda de peitos tipo air-bag com data de validade e quem sabe possamos um dia passear pela praia e se encantar, e que a beleza natural não seja apenas das nossas paisagens.


sábado, 14 de janeiro de 2012

ho-ba-la-lá de Marc Fischer


Vinte e quatro horas desde que abri o livro. Talvez umas dez horas de leitura. Quanto anos Marc Fischer dedicou a João Gilberto para presentear alguns leitores com um sonho compartilhado? A história da bossa nova é mesmo triste na figura mais representativa do coração da beleza.

Uma história que tinha tudo pra ser uma obra detetivesca, inspirada em Sir Conan Doyle. Mais é uma história real, tão real quanto a esta própria declaração de amor a Bossa Nova, ao Brasil e, principalmente, a João.

Um ser único e, a meu ver, incompreendido. Por esse Brasil afora, quem realmente sabe quem é João? Da geração nascida nos anos oitenta até os dias de hoje são exceções aqueles que por ventura já ouviram “Ho-ba-la-lá”.

Um individuo sozinho em busca do sonho. Reconhecimento, popularidade, isso não importa, seu compromisso é com a música, com as suas próprias convicções. Tachar alguém de tantã é muito fácil, fazemos isso toda hora, tanto quanto queremos “matar alguém” sem nunca ter tido coragem de pisar em uma simples formiga. Nosso umbigo acaba sendo o centro do mundo. E a opinião comum diz o que é certo e errado neste mundo de dualidades abestalhadas.

João está certo. Não é doido, não é depressivo nem depravado. Pode ser sensível demais. Ele está certo, seu compromisso é consigo mesmo, com a música, com a beleza verdadeira. Um gênio. A Cultura brasileira deveria abraçar a causa, um patrimônio da humanidade reconhecido em cada rincão do planeta não pode ser deixado de lado assim, a mercê do tempo. Um músico que é aplaudido por vinte e cinco minutos ininterruptos lá no Japão e que pouco toca nos rádios brasileiras. Entretanto, doa-se milhões para se fazer um “blog”. Ainda fosse Elis Regina.

João não quer que se façam documentários sobre ele, a figura João não é o que importa, se ele pudesse, ensinaria todos a cerrarem os olhos quando se escuta “chega de saudade”.

Medo. É o que sinto quanto penso no momento em que ele se vá. Medo do que a mídia venha a fazer com sua figura enquanto ele, se pudesse, imploraria para que a música, que preenche seu apartamento no Leblon por quase doze horas diariamente, pudesse soar sem nenhuma interferência. Para o mundo todo poder ser tocado, preenchido, completo, satisfeito.

Mais tudo trata-se de um anseio. E anseio é coisa que ninguém pode apanhar.