As lembranças que
temos das experiências vividas têm um limite: o esboço da fala. Antes dela a
memória, como a língua, apenas balbucia. Isso quer dizer que a memória, para
ser constituída, precisa ser descrita. Então, é na narrativa dos fatos que a
nossa experiência ganha significado e permanência. Daí o valor das conversas,
das histórias contadas, para as atividades que recorrem à memória, às
associações e à imaginação, ou daí o valor da tradição oral para as atividades
propriamente humanas.
Ângelo Bucci, no livro
São Paulo, razões de arquitetura. Da
dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes.
Afirmei na noite
passada que, os processos criativos dois quais nos ocupamos é, de certa maneira,
uma atividade espiritual. As atividades artísticas são, para mim, uma maneira de
equilibrar-se, para viver melhor. É preciso expressar-se, seja qual for a
método utilizado, é preciso dar forma as inquietações pessoais, de modo que uma
coisa alimente a outra num circuito contínuo, produtivo.
Dar forma à memória é
construir conhecimento. Descrever a memória é um processo de construção dela
mesma e de aprendizado, amadurecimento e crescimento pessoal. Enfim, tá ai uma
justificativa da descrição, sobre qualquer coisa. As pessoas precisam aprender
a conversar, compartilhar, falar sobre tudo ou sobre nada. Assim, para
descrever se faz necessário recorrer à memória, que é efêmera e se desfaz
rapidamente.
Tudo se transforma
neste caminho infinito do autoconhecimento, os registros servem não só para
olhar para trás e perceber as mudanças, mais essencialmente para absorver o
conteúdo das coisas e preencher o que geralmente está sempre vazio. A memória.
O imediatismo, a mania de novidade... assistimos a tudo sem perceber nada,
ouvimos tudo sem escutar nada, vivemos sem construir, compartilhar, vivemos sem
contribuir para nós mesmo, ser sem absorver nada. Vive-se um novo processo de
“lobotomia-virtual”, nos deixamos levar, influenciar sem construir opinião. Poucos
são aqueles que comentam, debatem, que descrevem a memória, e isso deveria ser
apenas uma maneira de viver melhor consigo mesmo. Automaticamente, de conviver
melhor com todos.
Evidentemente aquilo
que causa entusiasmo, muitas vezes passa despercebido. São expectativas que
acabamos criando, porém, que podem não têm importância alguma. Mais ainda assim
vale descrever as coisas simplesmente e não criando demasiadas esperanças com
coisas não tão importantes.
Não se pensaria se não
se fosse expressar aquilo que se pensa, e não existe expressão se não se deseja
fazê-lo desejando pensar. Entretanto, parece-me que quanto mais se recorre à
memória no processo de construção de conhecimento, mais vazia resulta a própria
memória. Uma contradição então, pois acredito que quanto mais informações
possamos absorver, mais claras elas se apresentam. Isso porque só conseguimos
ordenar as ideias em um grande conjunto, como se fosse uma escrivaninha, que só
estará ordenada quando as coisas superficiais que pousam sobre ela forem
despachadas e restarem somente aquelas que realmente importam.
Talvez isso tudo seja
só ilusão. Ilusão de que alguém veja conteúdo onde nós encontramos somente
vazio. Páginas escritas quando existem apenas páginas em branco.
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