No auge de minha vida acadêmica, encontro-me, arraigado a
esta ilha como nunca antes. Não seria um auge propriamente dito, mais enfim, o
momento tão esperado, o último ano dos que já foram muitos. Posso dizer que é
um período produtivo, e muito, mais pouco se deve ao entorno acadêmico, que a
meu ver, castiga tanto seus alunos quanto a rotina de um humilde trabalhador
que se desloca diariamente do longínquo submundo periférico ao centro de uma
grande metrópole, ganhando muito pouco e com ainda menos perspectivas de vida
melhor.
Esta população pobre, seja de recursos como de
possibilidades, tanto se desgasta em sua rotina de sobrevivência que ao fim de
cada jornada, não alcança maneiras de lutar por seus direitos, de refletir sobre
sua situação, de organizar-se e tomar um posicionamento que, em uma sociedade
mais justa, permitiria talvez, uma mudança no caminho das coisas. Assim como
esta machacada camada da nossa sociedade,
os alunos como eu, embora em escalas e por motivos distintos, também sofrem. É
importante deixar claro que são realidade bastante distintas, aqueles
trabalhadores representam a maioria de uma sociedade desigual e injusta, nós,
alunos, somos minoria, extremamente beneficiada.
A contraposição foi colocada por um motivo simples, que a
energia despendida para realizar as atividades cotidianas que cabe a cada
atividade, seja do trabalhador ou do aluno, é muito maior daquela que o próprio
indivíduo dispõe. Com isso, não há condições mínimas para que estas pessoas
desenvolvam capacidade crítica ou atuação política. Acabam sufocados por suas próprias
atividades e, quando muito, por outras de caráter mais superficial que são a
única fuga do submundo dos perdedores em que habitam sem perspectivas próximas
de ascensão social. Parece-me que estes sujeitos se apresentam como uma espécie
de “servos da modernidade”.
Isto não pretende ser uma justificativa da minha pequena
longa carreira de aluno. É somente um comento sobre aquele “auge” que citei
inicialmente. Pois, somente liberto das intensas e desestimulantes atividades
acadêmicas é que o aluno pode desenvolver-se politica, crítica e
artisticamente. Talvez sejam apenas fases, etapas que servem de peldanhos para alcançar algo mais a cada
passo. Ou, sejam apenas pobres justificativas de algo injustificável, mais
ainda assim, necessário.
Pois, paradoxalmente, mais livre e consciente, encontro-me
radicalmente fixo a este território. Não que isso seja um dado negativo, muito
pelo contrario, devo muito de tudo e de cada pequena coisa a esta cidade e a
vida que levo aqui. Entretanto, infelizmente, minhas viagens longas e
duradouras se extinguiram, e minhas fugas sazonais acabaram minguando. Mais é
justamente num destes esparsos deslocamentos que tratei de compor este conto.
Percebi em uma pequena cidade, transformações evidentes que
atropelam o quase imutável e tranquilo ritmo de vida de seus habitantes.
Aqueles indivíduos, habitualmente sonolentos e despretensiosos, pouco percebem
o ritmo frenético com que seu espaço urbano se transforma. Pequenas e médias
cidades se modificam em um ritmo desconhecido, influenciado fortemente pela
atual situação econômica privilegiada com que nosso país vive.
Estamos passando por uma espécie de “entusiasmo construtivo”
que é fortalecido por financiamentos habitacionais abundantes via Programa
Minha Casa Minha Vida. As cidades transformam-se em verdadeiros canteiros de
obras, entretanto, a maioria destas obras, principalmente nos centros urbanos,
parece privilegiar uma pequena parcela da população, enquanto que o chamado
déficit habitacional paira sobre outra parcela, aquela de baixa renda. Mais,
como bem foi colocado, estes investimentos habitacionais fazem parte de uma
estratégia econômica, muito distante de uma política social.
Também faz parte desta política “anti-crise”, a redução de
impostos sobre veículos novos. Vemos então um aumento significativo da frota de
veículos e uma aparente estabilidade econômica. Diferentemente disso, as nossas
cidades não apresentam a mesma tranquilidade, na verdade, percebe-se um real
deterioro e degradação de seu espaço físico. Ora, pois, milhares de novos
edifícios e obras públicas não deveriam qualificar nosso país? A primeira vista
essa indagação poderia ser uma afirmação veemente. Entretanto não é o que
acontece na prática.
É triste que tantos recursos sejam assim mal aplicados, para
não dizer desperdiçados. Podemos até considerar uma espécie de desperdício,
pois, quase sempre o barato sai caro. Se voltarmos a produzir habitação para
baixa renda massivamente em áreas periféricas e, de uma qualidade completamente
questionável, qual será a permanência destas arquiteturas? Destruiremos amanhã
estas novas cidades que estamos construindo hoje? Tudo aponta para um fatídico “sim”.
E o que faremos com tantos carros? Com tantas novas pistas
asfaltadas a cada dia? Enquanto os carros se proliferam como praga, as vias
urbanas, a infraestrutura viária e os transportes públicos pouco se modificam. Assim,
valorizando o automóvel e desvalorizando a arquitetura, poderíamos prever além
de cidades cada vez mais congestionadas e de aparência questionável, pessoas
crentes que o automóvel é o verdadeiro símbolo de ascensão social. Talvez
futuramente as pessoas passem a morar em seus veículos e nos concentraremos apenas,
em projetar garagens.
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