quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Elogio da loucura - Erasmo de Roterdam

Por Vinicius Libardoni



Custaram-me cinco reais em um sebo perdido ao final de uma galeria escura. Tão perdido quanto os meus propósitos aquela manhã, estava este livro em meio a outros exemplares que mais pareciam desiludir esta pobre e velha edição de que alguém, um dia, iria recolhê-la. Quem sabe quantos anos se passaram e ela estava ali, da prateleira de livros velhos, para a prateleira de livros em promoção para enfim, a aquela prateleira dos livros sem destino. O último passo antes de ser olvidado fora do alcance de olhos curiosos, até que as traças o obriguem a virar vazio e não mais conteúdo.
Mais ele deu sorte aquele dia, e minha memória, ainda mais. Um breve comentário que li em um livro de Jorge Luis Borges apareceram de maneira fugaz em minha lembrança. Com certeza estive procurando por um bom tempo sem muito sucesso, mais encontrar este exemplar perdido de capa pictórica produzida por estúdios P.E.A,  saltou aos meus olhos. Paguei apenas cinco reais. Era o preço mínimo daquele Sebo. Com toda a certeza, a vendedora poderia jurar que mesmo sem preço algum, alguém desejaria leva-lo dali. Eu quis. Realizei tal façanha com um sorriso enorme no rosto e uma paz imensa na alma. Pensei: “linda a vida de quem trabalha em um sebo”. É quase que um serviço de assistência social, onde se procura os pais de crianças perdidas em feiras, exposições ou até, daqueles que ficam perdidos nas grandes cidades sem nunca haver conhecido sua procedência natural. Senti como se tivesse encontrado algo que tivesse perdido a muito tempo.
Uma linda publicação de páginas secas e amareladas, com um perfume de livro velho que cheira a sabedoria. Uma publicação da Europa-América que, publicou entre outros volumes daquela coleção de bolso, O monte dos ventos uivantes, Bel-Ami, As mãos sujas, A religiosa, Noites brancas e o Albergue Nocturno. Pequeninho ali no canto vejo: Edição nº40 561/1821. Execução gráfica: oficinas de P.E.A. (Julho de 1973). Desta edição, os repasso as seguintes informações:
                “Erasmo foi um dos maiores eruditos da época do Renascimento e da Reforma. Espírito crítico, cosmopolita e ecuménico, advogou a liberdade de consciência e de expressão tanto na esfera civil como eclesiástica. Imortalizou-se com o Elogio da Loucura, uma obra em que o autor, domina todos os recursos da ironia, mas onde, sob o sorriso que irreversivelmente nos faz aflorar aos lábios, se evidencia o protesto moral consciente ou inconscientemente, protagonizamos. Elogio da Loucura transcende o tempo. Para reconhecer a permanente actualidade, basta aplicar a crítica de Erasmo à sociedade contemporânea. O que não será difícil ao leitor”.
A bela surpresa que encontro, um pequeno selo descolado da primeira página e perdido entre as outras, “Livraria Camões, Rua Bittencourt da Silva, 12-C, Rio de Janeiro”, quem sabe, foi lá que seu primeiro dono encontrou estelivro de Erasmo, quem saberá porque, tal criatura, se desfez do mesmo. Exatamente  naquela página pude ler esta passagem:
“Deixemos de lado os sábios, que acusam de insanidade e impertinência aquele que se louva a si próprio. Se isto é loucura, assenta-me às mil maravilhas. Nada há de mais natural para a Loucura que soprar na trombeta da glória e entoar, em pessoa, os seus próprios louvores. Quem me descreveria com mais verdade, se ninguém me conhece melhor que eu mesmo me conheço?”

Mais do que isso, só a sugestão.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

cidades imaginárias

Por Vinicius Libardoni

Extra, extra! A maior desgraça às cidades brasileiras está com data marcada!
Embora neste país exista sempre um enorme vazio entre a teoria e a prática, desta fez, (in)felizmente, largamos muito na frente. Estamos correndo disparados em direção a uma grande tragédia: a Copa do Mundo de 2014 e o ‘Rio 2016’. Espero, ansiosamente, descobrir que estive equivocado, porém, é assim que percebo a situação atualmente.
A questão é simples, existem duas expectativas muito distintas: aquela dos cidadãos brasileiros, e a dos milhões de turistas que deverão visitar o país nos próximos anos. Equivocadamente, priorizam-se cidades imaginárias, as quais os turistas sonham encontrar, ou, talvez, aquelas que desejamos projetar para agradá-los. Tudo em favor de um turismo acidental, ou a tentativa falha de vender uma imagem quase que pitoresca, de um país maravilhoso. Maravilhoso? Até quando vamos encontrar na paisagem a doce ilusão de estar vivemos em um lugar maravilhoso? Estamos tão distantes de um país maravilhoso quanto esta cidade imaginária do turista está da real situação urbana e social deste país.
Seria, por acaso, um desejo absurdo sonhar com cidades imaginadas, ou seja, aquelas feitas para as pessoas que nelas vivem? Parece-me que, a cidade que é boa para a população que a habita, é também uma cidade agradável aos forasteiros. Entretanto, aquela cidade “imagem” que tanto pode ser proveitosa para um turista, nem sempre, e quase nunca, é aprazível ao ser que nela vive cotidianamente.
Isso deveria ser visto como uma grande oportunidade de crescimento social e produção de um espaço urbano justo para com seus cidadãos. Foi o que Barcelona fez quando dos jogos olímpicos de 1992. La onde Gaudí, desenvolveu sua arquitetura nacionalista disparatada, foi onde coincidiram as expectativas dos turistas e as necessidades dos cidadãos. O êxito foi indiscutível, talvez o maior exemplo deste tipo de evento global. Uma justificativa para transformar a ordem urbana. Porém, no país da arquitetura mambembe, nossas experiências prévias tem sido desastrosas. Nossa enorme capacidade de deixar tudo pra depois integrada com a essência podre dos governantes, tudo aponta para uma exótica promoção de um país de faz de conta. O PAN Americano de 2007 foi calamitosa. Parece que não houve nenhum aprendizado. Como benefício para a cidade ficou um estádio que antes de pronto já precisava ser reformado, e a cidade olímpica, que ao que me consta, são dezenas de apartamentos mal projetados que se encontram vazios, sem nenhum tipo de uso. Da pra recorrer da escolha com a FIFA e com a COI? Não? Então devo desejar boa sorte! Espero que seja suficiente!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Devaneios a partir da pertinência da arquitetura clássica de Demetri Porphyrios

Por Vinicius Libardoni

Falando em pertinência, inicio este monólogo perguntando-me a respeito da impertinência da “pseudo-arquitetura de papelão”. Somos educados como modernistas, embora a discussão acerca da arquitetura moderna já tenha se esgotado, pelo menos, na minha paciência.
Deste modo, “habituamo-nos a pensar que nossa contribuição está contida exclusivamente no que é diferente. Por isso, geralmente nos inclinamos a valorizar questões estilísticas de menor importância”. Se a verdadeira contribuição do arquiteto está no que se escolhe como referência, quem irá nos ensinar que tomar algo emprestado está tão distante de incorporar, de maneira pictórica (se não como paródia ou anacronismo deliberado), pequenas partes daquelas questões estilísticas de menor importância?
É preciso entender a arquitetura a partir de uma consciência construtiva. Então, porque discutir a pertinência da arquitetura moderna se aqueles edifícios são sim, arquitetura. E se a contribuição está nas referências que se tomam para si, há de perceber que existe razão direta com o feito realizado pela obra, qual, nos apropriamos. E parece-me evidente que, as boas referências, persistem as mesmas.
O grande desastre, por assim dizer, sinceramente, está nesta escola medíocre que frequentamos sem escola, ou melhor, sem escolha. Há a doce ilusão de formar gênios. Na verdade, formamos milhares de profissionais medíocres. Se a ética mercantil baseia-se na pretensão de que toda obra de arte é uma invenção singular, e que buscamos em um resíduo de originalidade a prova de talento, neste caso, poderia dizer: a arquitetura é muito mais uma profissão que arte.
“A arquitetura não tem nada que ver com a “mania de novidade” ou com sofismas intelectuais. A arquitetura não tem relação alguma com a transgressão, o enfado ou a paródia. A arquitetura tem que ver com decisões a respeito do que é bom, decente, correto. É menos um dom que uma tarefa permanente de ajustamento às contingências do presente”.
São só aplausos para um bom texto, que incita em nós, o desejo de transformar a dura realidade.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

a tentativa de construir uma discussão

Por Vinicius Libardoni

Mais do que textos dispersos, devaneios sobre qualquer coisa, isto representa uma tentativa de construir uma discussão. Ainda que sutilmente localizada sobre o âmbito da disciplina da arquitetura, há um intento claro de atravessamentos a partir de outras disciplinas de maneira a contribuir com a diversificação do debate.
Gregorio Marañón, médico endocrinologista, cientista, historiador, escritor e pensador espanhol, disse: “Aquele que somente se interessa por sua especialidade, nem ela mesma lhe interessa”. Ou seja, segundo este madrileño nascido em 19 de maio de 1887, devemos buscar conhecer um pouco de todas as áreas, pois, conforme diria o pessimista, não nos tornaremos sábios em quase nada e sim, ignorantes em quase tudo.
Concordo plenamente com Tschumi quando discorre em notas para uma teoria da disjunção arquitetônica[1], a respeito das estratégias de disjunção. O autor nos revela que tal estratégia não deve ser considerada um conceito arquitetônico, mais uma maneira através da qual, é possível entender a própria atividade de produção de conhecimento em arquitetura. Não se trata de ideias abstratas acerca de teorias sem pé nem cabeça ou, projetos sem começo nem fim. Incorporar outras disciplinas e atividades em nosso processo projetual não é, de modo algum, uma justificativa ou uma fuga da arquitetura mesma. Deve ser encarada como uma procura por uma arquitetura outra, que incorpore toda a complexidade do fenômeno arquitetônico e suas pluralidades. Parafraseando Tschumi “...o progresso da notação arquitetônica está ligado a uma renovação da arquitetura e dos conceitos de cultura que a acompanham”.

A busca por incorporar outros profissionais, que não aqueles tradicionais, atividades, olhares, pensamentos, teorias, exigências, usuários, na atividade de projeto de arquitetura, não devem ser conduzidos abstratamente pois, é um trabalho que se desenvolve no âmbito da disciplina da arquitetura, ainda que consciente de outros campos. É quase que um deslocamento, uma permeabilidade através de outras variáveis consideradas sobre a produção da arquitetura. Somente através de um posicionamento como tal, poderemos compreender a arquitetura como uma atividade humana altamente complexa como ela realmente deve ser compreendida.
Volto a afirmar na importância de diversificar a procura por conhecimento no momento que, quanto mais respiro tão apaixonante ofício, mais sinto a necessidade de estudar outras coisas, independentes da arquitetura. Independentes até certo ponto, pois, aquele que realmente está preocupado em construir e produzir conhecimento através do ofício conseguirá enxergar arquitetura em tudo o que observa.
Percebo também que, o aprendizado nunca é imediato. Nesta procura por entender o mundo e as coisas que com ele se relacionam, vivo uma busca incessante por conhecimento e aprendizado. Ontem era ainda uma pequena criança inapta para absorver temas de maior complexidade. Acho que, devemos viver com esta doce ilusão permanentemente, que ontem erámos incapazes de compreender certas coisas, hoje se é dedicados o suficiente para tentar absorver os temas que não entendíamos ontem e, finalmente, desejo, amanhã, ser sábio a respeito de tudo que um dia discutíamos.  


[1] Introdução: notas para uma teoría da disjunção arquitetônica. TSCHUMI, Bernard. Do livro, Uma nova agenda para  arquitetura, NESBITT, Kate. São Paulo, Cosac Naify, 2006.