domingo, 27 de maio de 2012

“o bom motivo de registrar”



As lembranças que temos das experiências vividas têm um limite: o esboço da fala. Antes dela a memória, como a língua, apenas balbucia. Isso quer dizer que a memória, para ser constituída, precisa ser descrita. Então, é na narrativa dos fatos que a nossa experiência ganha significado e permanência. Daí o valor das conversas, das histórias contadas, para as atividades que recorrem à memória, às associações e à imaginação, ou daí o valor da tradição oral para as atividades propriamente humanas.
Ângelo Bucci, no livro São Paulo, razões de arquitetura. Da dissolução dos edifícios e de como atravessar paredes.

Afirmei na noite passada que, os processos criativos dois quais nos ocupamos é, de certa maneira, uma atividade espiritual. As atividades artísticas são, para mim, uma maneira de equilibrar-se, para viver melhor. É preciso expressar-se, seja qual for a método utilizado, é preciso dar forma as inquietações pessoais, de modo que uma coisa alimente a outra num circuito contínuo, produtivo.
Dar forma à memória é construir conhecimento. Descrever a memória é um processo de construção dela mesma e de aprendizado, amadurecimento e crescimento pessoal. Enfim, tá ai uma justificativa da descrição, sobre qualquer coisa. As pessoas precisam aprender a conversar, compartilhar, falar sobre tudo ou sobre nada. Assim, para descrever se faz necessário recorrer à memória, que é efêmera e se desfaz rapidamente.
Tudo se transforma neste caminho infinito do autoconhecimento, os registros servem não só para olhar para trás e perceber as mudanças, mais essencialmente para absorver o conteúdo das coisas e preencher o que geralmente está sempre vazio. A memória. O imediatismo, a mania de novidade... assistimos a tudo sem perceber nada, ouvimos tudo sem escutar nada, vivemos sem construir, compartilhar, vivemos sem contribuir para nós mesmo, ser sem absorver nada. Vive-se um novo processo de “lobotomia-virtual”, nos deixamos levar, influenciar sem construir opinião. Poucos são aqueles que comentam, debatem, que descrevem a memória, e isso deveria ser apenas uma maneira de viver melhor consigo mesmo. Automaticamente, de conviver melhor com todos.
Evidentemente aquilo que causa entusiasmo, muitas vezes passa despercebido. São expectativas que acabamos criando, porém, que podem não têm importância alguma. Mais ainda assim vale descrever as coisas simplesmente e não criando demasiadas esperanças com coisas não tão importantes.
Não se pensaria se não se fosse expressar aquilo que se pensa, e não existe expressão se não se deseja fazê-lo desejando pensar. Entretanto, parece-me que quanto mais se recorre à memória no processo de construção de conhecimento, mais vazia resulta a própria memória. Uma contradição então, pois acredito que quanto mais informações possamos absorver, mais claras elas se apresentam. Isso porque só conseguimos ordenar as ideias em um grande conjunto, como se fosse uma escrivaninha, que só estará ordenada quando as coisas superficiais que pousam sobre ela forem despachadas e restarem somente aquelas que realmente importam.
Talvez isso tudo seja só ilusão. Ilusão de que alguém veja conteúdo onde nós encontramos somente vazio. Páginas escritas quando existem apenas páginas em branco. 

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Cidade, reflexo de seus habitantes


Este pequeno ensaio publicado no "Diário do Sudoeste", jornal da cidade de Pato Branco, foi construído sobre um outro ensaio, anteriormente publicado neste blog, sob o irônico título de "Beltão tem mais livrarias que Pato Branco!". A intenção deste ensaio, publicado no jornal, é a de gerar uma repercussão, mesmo que pequena, sobre a realidade da cidade, uma reflexão individual sobre nossa postura como coletividade na produção do espaço urbano e de suas atividades. Felizmente parece que a recepção foi interessante, recebi um comentário do pessoal da rádio "Elite FM" (em nome de Laudi Vedana), que multiplicou através deste meio, a mensagem deste ensaio, multiplicando a abrangência e ocasionando uma enorme alegria e este humilde autor. 
Grato a redação do Diário do Sudoeste e ao pessoal da Elite FM.


Na íntegra ...

Recentemente, em uma de minhas últimas visitas a Pato Branco, daquelas que nunca quero que chegue e depois, desejo que nunca termine, estive a refletir sobre algo interessante que acredito valer a pena compartilhar.
Caminhando por estas ruas deparei-me com uma quantidade enorme de algumas atividades, enquanto outras pareciam não existir. Poderia enumerar uma quantidade inacreditável de farmácias, lojas, salões de beleza, açougues, garagens, enfim, uma infinidade de coisas que permeiam o centro da cidade. Embora tudo isso pareça normal, acredito que os usos enraizados na cidade refletem diretamente a cultura de sua gente. E o que mais me intriga, é que não existe sequer uma livraria.
Está bem, podemos dizer que há lugares onde se vende meia dúzia de best-sellers, mais nada que se pareça com uma livraria, aquele espaço onde podemos deambular em busca de algo ou esperando que este algo nos encontre. Logicamente não existiria na Avenida Tupi algo como El Ateneo de Buenos Aires, ainda assim, sinto que a ausência de espaços como este, tenha grande impacto na vida de nossos habitantes. Alguém poderia nos dizer que hoje em dia não se compram mais livros como antigamente, que a tecnologia nos aproxima da cultura e que a internet pode fornecer todo o tipo de informação instantaneamente. Há ainda, aqueles que afirmam que a criação do e-book acabará, pouco a pouco, com a cultura ultrapassada de comprar livros e acumular papéis.
Pessoalmente, acredito que a internet tem se mostrado uma grande aliada à superficialidade do ser humano. Embora exista uma disponibilidade enorme de informação ao alcance de todos, há uma incrível preferência por futilidade em relação à utilidade.
Se no passado existiam cinemas e livrarias nas ruas desta cidade, me pergunto porque estas atividades caíram em desuso? Seria a tecnologia e o excesso de informação a causa da morte prematura das atividades de formação cultural nas pequenas cidades? O que poderíamos fazer para reverter esta situação? 
Muitas das nossas perguntas sempre permanecerão sem respostas, porém, são estas que nos levam adiante, são as indagações que nos induzem a crescer pessoalmente.
Desta maneira coloco a seguinte questão: será o ambiente empobrecido que conforma seus habitantes, ou será a superficialidade dos indivíduos que produz um ambiente tão pobre? Deixemos de ser alienados. Foram os indivíduos que criaram esta realidade, que moldaram o espaço, que desenvolveram e se utilizaram de suas atividades. Entretanto, também fomos nós, não individualmente e sim como coletividade, que desenvolvemos esta cultura da superficialidade, banalidade e futilidade. Estas características (intrínsecas à nossa sociedade hoje) se enraizaram no espaço urbano e são fruto direto das atividades, individuais e coletivas, que foram moldando as relações sociais e, indiretamente, os usos e as atividades que compõe o espaço da cidade.
Evidentemente somos todos responsáveis pela cidade que criamos e recriamos diariamente. Estamos conseguindo desenvolver um ambiente empobrecido, frequentando sempre os mesmos lugares, encontrando sempre as mesmas pessoas com as mesmas ideias baratas e desta maneira, moldando um espaço tão pouco atraente quanto as nossas próprias convicções. Apesar de tudo, somos nós que devemos buscar uma mudança de comportamento e consequentemente em construir uma cidade mais rica social e culturalmente. 

domingo, 6 de maio de 2012

Da infinita atividade de tentar ser arquiteto



Alguns dias ficamos um bom tempo observando o papel em branco sem saber o que escrever, hoje é um dia destes. Como se não tivéramos nenhum pensamento que vale a pena ser descrito, embora essa suposição seja completamente desmedida. Certamente o que faço aqui é descrever algo que passa ligeiramente pelo campo das ideias sem mesmo ter tido tempo de tornar-se um pensamento sólido, seja o que for. Muitas vezes não se tem nada a dizer, somente preencher aquela folha em branco que quanto mais branca, mais pesada se comporta sobre a mesa e mais pesadamente atinge minha alma. Preenchê-la é esvaziar-me. Como se cada palavra tivera um peso e ao fim sente-se mais leve, e por mais inútil que isso possa parecer, causa um terrível bem estar e permite um descanso merecido. 

É nessa batalha de preencher e esvaziar sem vontade de conceber algo coerente que muitas vezes paro para refletir. Assim lembro-me de vezes em que se tem tanto para fazer mais não se tem vontade de fazer absolutamente nada. Por mais semelhante que possa parecer, não tem nada a ver com preguiça. É de certa forma complexa. Por mais que queiras fazê-lo, é difícil iniciar, pois pensas em tudo e não podes concentrar-se em absolutamente nada e ao cabo esperas por decidir-se em que coisa fazer. A única solução torna-se a espera do momento último, da tensão entre prazo e realização da tal atividade.

Acredito que esta é a vida de um estudante de arquitetura, ao menos aqueles que ainda mantem vivo algum tipo de reflexão crítica em relação a seu percurso dentro do curso de graduação. É um tal de desejar tudo e não fazer nada. Deve-se tentar fazer uma coisa de cada vez ou seria melhor fazer tudo ao mesmo tempo, depende de cada indivíduo e de cada situação. É que em nossa prática acadêmica e quiçá profissional, algo só chega ao final quando justamente se esgota o tempo para este, ou seja, não se conclui algo sem que ainda exista tempo hábil para seguir seu desenvolvimento.

Acredito que existe a necessidade de enganar-se a si mesmo para obter os melhores resultados. As coisas estão sempre em processo, pois o processo é justamente o ponto mais importante do objeto, pois, reflete em como as coisas estão feitas em sua própria materialidade, temporalidade, espacialidade, complexidade e todas estas coisas. Tudo sempre evolui, se transforma, se aprimora. Entretanto se deve saber a hora de encerrar, de concluir algo ou de finalizar a si próprio quando já não possas mais acompanhar o ritmo frenético da contemporaneidade. E ainda me aflige o acercar-se a mim deste dia.



Vinicius Libardoni