segunda-feira, 31 de outubro de 2011

calem-se os leigos

Por Vinicius Libardoni

A cidade é, em primeira instância, algo muito complexo. Está composta por edifícios, pessoas, espaços, enfim, milhares de coisas que existem por si só e se relacionam simultaneamente com todas as outras. Quando se visita um lugar, cada ser humano está passando por uma experiência única, as cidades não parecem estranhas, pelo menos, não completamente. A maioria se parece com alguma que você já conhece, ou seja, ao observar cada edifício, cada placa, cada signo ou informação, buscamos compreende-las, e o que é compreender senão o ato de abstrair ideia ou noção de alguma coisa de acordo com sua experiência prévia incorporada através dos anos. Mais sinteticamente, você poderá localizar/identificar um monumento, uma praça, as ruas e avenidas, os bares, as estações, enfim, tudo ou quase tudo. Se aproximarmos a escala, muitas coisas podem ser deduzidas (pelo menos com um pouco de esforço mental), ou seja, definir áreas centrais, comerciais, residenciais, ou onde habitam as pessoas com maior poder aquisitivo e entender, partindo para uma análise, o porquê de tudo isso. Pode-se até prever quais áreas você não seria bem vindo, ou onde você estaria deslocado de sua situação de conforto por não fazer parte de uma coletividade presente. Enfim, sob os olhos treinados de uma pessoa pouco atenta e minimamente alienada, é possível extrair muitas informações sobre determinados espaços, lugares, cidades. 

Em uma segunda dimensão, não menos importante, poderíamos afirmar que a cidade se faz de pessoas, ou seja, é impossível que uma cidade seja cidade se aquelas pessoas que a constroem e habitam estiverem ausentes, não teria sentido algum. Desta maneira, a cidade é feita pelas e para as pessoas que ali se encontram. A cidade é ainda, uma definição geográfica de espaço, pois, ao definir um espaço cria-se um limite físico. A cidade é algo definido no espaço, porém, não existe um paradigma evidente sobre todas as outras coisas presentes nas cidades. 

Porque toda esta conversa sem sentido que mais parece uma novela que procura hipnotizar mentes frágeis e superficiais? Na verdade não está claro nem para este medíocre ser pensante que vos fala. Entretanto, é escrevendo que organizo meus pensamentos, então, tratarei de seguir adiante. Já que, o que interessa aqui é o processo de chegar a algum lugar e não exatamente aonde chegar. 
A cidade, bem, falávamos de cidades. Habitei em algumas cidades por um bom tempo e passei por centenas de cidades outras. Procuro minha própria identidade a partir da identidade de cada lugar, como se fosse um devaneio de autoconhecimento. Assim (falando de lugar, mesmo que esta discussão não faça mais, tanto sentido, pra não dizer sentido algum), nos identificamos com muitos lugares, ou seja, quando algum espaço nos agrada, significa que aquilo que sentimos encontra uma referencia com nós mesmos como indivíduo. Logicamente, esta viagem que fazemos inconscientemente em nosso conhecimento prévio, funciona em todas as instancias da vida. O grande problema reside em nossas próprias referências, ou melhor, quais são as referências que oferecem nossos meios de informação. Na arquitetura, tudo tem a ver com aquilo que escolhemos pra tomar emprestado, pois então, as velhas referências. Como se diz por ai, “ignorância não é contagiosa, se cura em uma biblioteca”. Infelizmente, minha experiência comprova, irrefutavelmente, que a incapacidade de levantar a bunda do sofá em busca de conhecimento, isso sim, é contagioso, e mais, aliena e leva a morte (pessoalmente, não vejo muita diferença entre um ser humano incapaz de usar 20% de sua capacidade mental e uma ameba, ou um ser vegetativo). Ninguém tem culpa de ser ignorante e, queira ou não, somos todos ignorantes em alguma dimensão. Ignorante, por não conhecer algo ou alguma coisa, ignora a existência das mesmas. Já o burro, é aquele que acha agradável ser um ignorante em todas as instancias e se orgulha deste lamentável fato. Mais isso não é conversa para burros.

Quando se é ignorante em determinado assunto, procuramos naturalmente alguém que possa suprir esta nossa, por assim chamar, deficiência. Por exemplo, quando se está doente o que se faz? Procura-se um médico! Por quê? Porque você é um ignorante em medicina e não pode se curar sozinho, pelo menos ainda não apreendemos esta faceta da medicina alternativa. Logicamente, muitas vezes você suspeita de seu problema e acaba por medicar-se sozinho, o que não é do todo errado, pois se cada pessoa com dor de cabeça procurasse um médico, isso seria um caos completo. Este seu conhecimento prévio ajuda muito ao médico, pois você precisa informar lhe os seus sintomas prévios corretamente, se não me engano, isso faz parte da anamnese ou coisa do estilo. Agora pergunto: porque na maioria dos casos, as pessoas não questionam a atitude de um bom médico? Pois sua saúde é o maior bem que você possui! Fácil assim!

Agora, enfim, passemos para a arquitetura. O que você faz quando planeja ter um lugar para morar. (Primeiro vamos excluir a hipótese de procurar uma imobiliária ou um corretor de imóveis, e em segunda instancia, e mais complicada, vamos excluir a hipótese de você procurar um engenheiro civil para projetar a sua casa, não entrarei em detalhes, pois, a minha incapacidade técnica me impede ou me faltariam argumentos). Enfim, vamos supor que você procure um arquiteto. Por quê? Pois ele é a pessoa especializada ou ao menos, indicada para este assunto. Logicamente você tem uma série de expectativas, experiências e referencias prévias sobre sua nova morada. Você sabe identificar um lugar aconchegante, um lugar opressivo, um lugar tranquilo, enfim, tudo que se refere a seus sentimentos em relação ao espaço. Muito bem, isso já é um grande passo. Vamos chegando mais perto do ponto mais importante. Você também possui milhares de referencias em relação ao que agrada você esteticamente, correto? Maravilhoso. Agora me pergunto, você entende de arquitetura? Na maioria das vezes não, não completamente. Você pode ser artista plástico, estilista, músico, enfim, uma série de coisas que se relacionam diretamente com a estética, tectônica, materialidade arte ou afins. Porém há um fato, você não compreende arquitetura na sua complexidade, além de que a arquitetura não é somente, e muito distante disso, um ofício estético. Ou seja, você argumentaria com seu médico para ele prescrever AAS infantil ao invés de lexotam somente porque você “gosta mais”? O que te dá o direito de argumentar com seu arquiteto, que você prefere Rococó na sua fachada porque você “gosta mais”? Bom, iniciamos um longo debate que está por vir. Deixamos de comparações com outras áreas e nos concentremos na arquitetura.

A sua casa é sua certo? Corretíssimo. Ou seja, ela deve estar de acordo com suas expectativas e seus sentimentos. Também é correto. Agora, também é tão certo como isso que a sua casa pertence a um lugar, a uma cidade, e principalmente, a um determinado tempo. O tempo de hoje. O que isso significa? Isso significa que um edifício tem identidade e você precisa se identificar com ele, e essa identificação deve ser perfeita quando se trata de Sua casa. Porem, devemos ir a fundo à essência e escapar de superficialidades. Isso já é uma tarefa difícil. Se um edifício tem identidade, e ela deve estar de acordo com o lugar e com o tempo, pergunto: é certo desejar morar em um templo grego? É certo! Desde que você encontre um templo grego na Grécia que esteja com uma placa de “aluga-se para fins residenciais”! É tudo uma questão de coerência temporal, tectônica e contextual. Como nos disse Derrida, que a arquitetura não é uma questão de espaço, é mais antiga que ele e, portanto, uma espacialização do tempo. 

Não entrarei em méritos da arquitetura “pós-moderna”, mais é vergonhoso que em pleno século XXI continuemos a reproduzir, mal e porcamente, fragmentos de arquiteturas históricas. Ainda fosse uma proposição fractal ou uma nova versão do ecletismo, porém, infelizmente, são apenas paródias, ou comédias pictóricas daquelas que se toma como referência. Se fosse possível, aquelas ruínas gregas e romanas estariam suplicando a autodestruição por haver sido tão mal interpretadas mais de dois mil anos depois. Aliás, desta maneira, parece que a arquitetura mal evoluiu nestes dois últimos milênios. Isso porque devemos ver a realidade a partir de tudo que se produz atualmente e não através de uns pouco e excepcionais profissionais. Lastimável situação.

Logo, não devemos estar preocupados em criar novas e espetaculares arquiteturas. Não há muito que se inventar por ai. Há, isso sim, uma série de boas referências, exemplos e possibilidades, os quais, podemos tomar como referência e a partir dos quais, podemos compor uma arquitetura adequada, coerente e correta. Apropriar-se da arquitetura, mais nunca reproduzi-la infielmente e muito menos, partes desconexas da mesma. Não se trata de criação e criatividade, se trata de preocupação com aquilo que é bom para nós, para os outros, para a arquitetura e para as cidades. Trata-se de reinterpretar, revisitar a arquitetura com a finalidade de possibilitar uma nova e distinta visão dela mesma a partir de uma visão outra.

Você procura um arquiteto, fala sobre suas expectativas e sentimentos, e o arquiteto é responsável por traduzir isto em arquitetura, em espaço construído. E porque? Porque se trata de indivíduos, de sentir-se bem, de um espaço para viver, um espaço identificável como seu, pois quando nos identificamos com algo, significa que, as suas referencias previas condizem com aquela realidade que está sendo assimilada. 

Ainda, deve-se levar em conta que qualquer arquitetura faz parte de uma cidade, e ela deve se relacionar com esta cidade, com seu entorno imediato e com seu entorno global. Imagine um ser humano que não se relaciona com os demais, ou pior, que se relaciona de forma agressiva, invasiva, grosseira ou violenta com os outros. É quase isso. A arquitetura deve ser sincera com o lugar. Deve ser justa com o tempo, deve ser verdadeira. Deve acrescentar algo a cidade e deve participar do processo de produção e construção dela. Na vida, devemos procurar acrescentar algo as pessoas e as coisas, devemos produzir algo que possa colaborar com alguma coisa. Precisamos evoluir. Assim como a arquitetura deve colaborar com a experiência tectônica e estética do mundo e proporcionar um ponto de vista distinto sobre a cidade ou sobre os indivíduos que a habitam (ou que simplesmente a observam). Um indivíduo deve participar da sociedade, produzir algo que colabore, que venha a somar, ou viemos a vida simplesmente para assisti-la passar assim como passará essa “pseudo-arquitetura de papelão”? 

Este texto é uma interpretação particular de assuntos discutidos no livro de Kate Nesbitt, “Uma nova agenda para a arquitetura, antologia teórica 1965-1995. São Paulo, Cosac Naify, 2006. Também compreende assimilações do ensaio “La ressonância temporal e la arquitectura” de Tony Díaz publicado pela revista Summa+ n.97, Noviembre de 2008.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Eu amo futebol.


Por Vinicius Libardoni
Não tô nem ai para o vão dizer. Mais eu amo futebol. Inexplicavelmente, sou um ser humano, primitivo, irracional e ainda torço por um time da segunda divisão. Merda, falei!
Cada um escolhe o seu passatempo. O meu, passa na tevê as quartas-feiras depois da novela e no domingo antes do faustão. Sorte a minha que, meu passatempo não é nem novela, nem faustão.  Não vou aqui defender a minha lógica, mais não poderia perder a oportunidade, já que tocamos no assunto, para discorrer uma pequena crítica.
Desde que os circos romanos foram transformados em santuários e museus, o homem precisou criar outros tipos de espetáculos para suportar a sua terrível superficialidade. O futebol pode ser considerado uma maneira, através da qual, existe a possibilidade de sentir-se vitorioso por alguns momentos em uma sociedade que não admite perdedores.
Prefiro o futebol à loteria, as vezes se ganha, as vezes se perde, mais não se vive na esperança que a probabilidade um dia, transformará sua vida. A maioria das pessoas vive esperando algo ou alguma coisa, não tem a menor capacidade de tomar a iniciativa para quase nada. Eu, pelo menos, tomo a iniciativa de comprar a cerveja gelada duas vezes por semana. Posso viver como um ser humano normal, quase o tempo todo, exceto quando rola a bola por noventa minutos. 

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O (des)controle do tempo


Por Vinicius Libardoni
E eu sigo ouvindo as pessoas exclamarem com veemência que o tempo passa rápido demais. Um dia desses, quando minha colega de trabalho disse: “Caramba, já nos aproximamos do final do ano!”, me permiti construir um pensamento que descrevo mais ou menos desta maneira:

Seria o sentimento de descontrole, do decurso do tempo, certa ausência de memórias significativas?  Acredito que essa foi a minha grande conclusão aquele dia. Tentarei explicar, algo que, na verdade, pelo menos pra mim, não tem explicação alguma.

Em curto prazo, o tempo sempre parece passar apressadamente, principalmente para aqueles que têm o tempo bastante ocupado, ou, na verdade, ocupam razoavelmente o seu tempo com afazeres variados. A repetição de tais afazeres é o que poderíamos chamar de “rotina”. Normalmente a rotina é tida como algo desinteressante e desanimador. A verdade é que a rotina pode não ser chata, desde que, ela possa ser incrementada por novas atividades cotidianamente, como ler um romance, ver um bom filme, conhecer outro lugar, fazer uma nova amizade, pelo menos, semanalmente.

Isto porque, a meu ver, em longo prazo, são as memórias que determinam a duração e a consistência do tempo passado. A rotina é certo tipo de “contra-memória” enquanto os novos conhecimentos são algo como “favor-memória”.

Quando, em curto prazo, se vive na rotina, pode-se, mesmo que lhe custe trabalho, lembrar vagamente dos acontecimentos da semana passada. Mais é quase impossível depois de um mês, denunciar os fatos verídicos referentes a cada semana. Mais difícil ainda é localizar, ao final de um ano, os acontecimentos referentes a cada mês. Ou você não foi surpreendido com o anúncio de que já faz um ano daquele fato surpreendente?

Ninguém pode deter a passagem do tempo. Entretanto, pode-se produzir memória através do transcurso do tempo. Devemos deixar de reclamar de não ter tempo pra nada, que queremos mais horas diárias ou dias incrementando os finais de semana. É preciso habituar-se a construir memórias, e com isso, dar consistência ao tempo que se vive e não deixa-lo passar inconsistentemente.

Por que uma viagem de um mês a outro país são lembranças que equivalem a um ano inteiro da sua vida rotineira? Porque estão cheias de memórias construídas, de relações, de conhecimento, de imagens mentais. Não se precisam viajar milhares de quilômetros para construir memória. É preciso iniciativa e força de vontade.

Reclamar não vai mudar as coisas, e se continuares a fazer as mesmas coisas esperando resultados diferentes, isso é, no mínimo, burrice. Lamentavelmente, a banalidade das informações que recebemos diariamente, não passam de memórias de hiper-curto prazo e precisam ser alimentadas mais e mais frequentemente. Depois de um ano gasto se atualizando no que as pessoas curtiram ou deixaram de curtir na rede, nada fica, não há minimamente, memória construída.

A questão então me parece, menos em relação ao decurso do tempo (o que não te concerne), e mais a o que estas a fazer com o seu tempo (o que deveria te concernir).