quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Construindo novas perspectivas

Por Vinicius Libardoni

Gosto de ser errante. De zanzar pelas ruas em busca de uma perspectiva oculta. Por melhor se conheça um determinado entorno, a paisagem sempre nos surpreende a cada novo trajeto. Em São Paulo, isso ocorre de forma majestosa. Existe sempre mais uma “camada” de cidade além do que se pode observar, e assim, a cada passo um novo limite se apresenta, e vagando vai se construindo as imagens que compões a sua São Paulo. Eu tenho a minha, e se eu pudesse desenhá-la, seria um emaranhado de perspectivas com conexões nada coerentes, mas afinal, isso não é pra ficar no papel e sim, na memória.

Cruzando as colinas do Pacaembu, de cá pra lá, percebe-se o esforço do homem em construir uma paisagem. Como se não bastasse às ondulações naturais deste sítio, há em tudo que o homem faz uma sensação de competitividade. As casas que se apinham na encosta procuram rivalizar com as árvores e pedras que um dia compunham esta paisagem deslumbrante. Onde antes se avistava o horizonte delineado ao fundo do vale, percebe-se apenas mais um muro, mais uma esquina, e assim, outras camadas sucessivamente.

Descendo uma ladeira em curva, bem próxima ao Estádio Municipal, se encontra a residência Rio Branco Paranhos, uma joia da obra de Artigas do ano de 1942. Apenas dois anos antes, o Estádio do Pacaembu era inaugurado, lá estava o presidente da República (Getúlio Vargas) sendo vaiado constantemente, pois, nem mesmo os oito anos que se passaram foram capazes de apagar aquele episódio da Revolução Constitucionalista de 1932.

Residência Rio Branco Paranhos, Arq. Vilanova Artigas, 1942. Foto do autor.
Escalando as colinas do lado de lá fui perder-me entre as ruas nordestinas - Alagoas, Ceará, Bahia, Sergipe e Pará. A residência Luiz da Silva Prado, projetada por Gregori Warchavchik encontra-se oculta e quase passa despercebida lá de cima da Rua Bahia onde antes, pousava soberana emoldurada na paisagem. Daquela foto do Congresso da Habitação de 1931 em frente a casa, resiste o testemunho no estilo dos homens, que mais parece cena de filme americano dos anos 30 que da própria paisagem urbana, ainda incipiente, da cidade de São Paulo.

Descendo a direita ao final da Rua Bahia encontra-se a Rua Itápolis, e no número 961 desta rua está situada a casa Modernista de Warchavchik. Sua inauguração sucedeu no dia 26 de março de 1930 em meio a uma ousada festa com uma grande exposição de arte moderna articulando arquitetura, design e artes na tentativa de promover uma ambiência moderna naquele lugar ainda de caráter tão rural.

A vanguarda da cidade foi convocada e participou integralmente da exposição que marcou época e representou uma tomada da identidade moderna para a burguesia generalizada da sociedade. Cabe aqui publicar um momento de indignação. Que pena que aqueles anos passaram, quando a elite econômica (gente de poder) também era a elite intelectual da sociedade. Não que isso seja algo agradável, porém, atualmente, quanto mais subimos de classe social pior é o resultado.

As torres de apartamentos que se erguem nas colinas do Pacaembu hoje em dia, procuram ainda expressar aquela modernidade tão evidente na obra de Warchavchik. A banalidade do bonde da arquitetura contemporânea passa desgovernada e sem freios. O branco da pintura de suas paredes representa, pelo menos pra mim, uma alma penada perdida na atualidade. Uma tentativa de interpretação daquela arquitetura que marcou a modernidade da burguesia paulista dos anos 30. Mais uma tentativa tão falha e tão falsa. E se o branco relativiza o purismo de Warchavchik, as janelas de tais edifícios mais parecem lápides de um tumulo. Um túmulo onde está enterrada a nossa capacidade de produzir uma boa arquitetura.

"Túmulos", edifícios em Higienópolis. Foto do autor.
E não é só isso que se encontra sepultado atualmente. Foi-se a época onde o ambiente bucólico da intelectualidade convivia nos espaços coletivos urbanos em uma relação de troca e encontros que jamais voltaria a acontecer nas mesmas dimensões. O teatro esvaziou-se, os cinemas de rua foram fechados, os bares da boêmia estão tomados de gente sem opinião e a imensa quantidade de má arquitetura produzida nas nossas cidades é recebida tão acrítica quanto austeramente.

Vagando pelas ruas, acabado me perdendo em ideias e no fim, falando demasiada besteira. Mais se atravessar as colinas do Pacaembu me levou do entusiasmo ao abatimento, chegar às ruas de Higienópolis me trouxeram de volta a vida. Reencontrei o Louveira e topei com o Prudência, o Lausanne. Ah, são tão belos os caminhos sinuosos que devaneiam fugindo entre arvores e pilotis encaminhando os indivíduos da rua a sua morada.

Louveira, arq. Vilanova Artigas.1946. Foto do autor.

Depois disso voltei pra casa, tranquilo. 

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